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Archive for the ‘Claudia Antunes’ Category

Manhã de domingo

Os domingos são ritualísticos em todos os lugares do mundo, exceto naqueles onde o sábado desempenhe tal papel. Acordar mais tarde para os solteiros, casais sem filhos e jovens. Disparar cedo para a rua com as crianças, à procura de parques e praias. Folhear o jornal aleatoriamente, pulando editorias, sem compromisso algum com as notícias. Não vamos estragar o domingo…

Lembrar-se de algo que estava esquecido, como um velho álbum de fotos e distinguir, em riso contido, cada pose, pessoas, cenários.

Levantar e deitar-se por seguidas vezes, naquela gostosa indecisão de dia sem horas. Abrir a geladeira para ver o que interessa. Se não achar, já é motivo para almoçar fora, encontrar amigos, reunir a família.
As pessoas falam menos aos domingos, imersas em livros, ouvindo música, indo ao cinema, questionando a própria existência frente a avatares que estão abertos ao monólogo.

Os sons de domingo são mais aéreos. Helicópteros sobrevoando a orla, bem-te-vis em antenas de prédios, o ensaio da banda de rock no andar acima do seu.

Fotografar o domingo é mostrar o sorriso guardado nas salas de trabalho, igrejas, escolas e deixá-lo fluir com a naturalidade que os vendedores exibem.

No domingo os gatos dormem mais ainda, pela ausência de toques de campainha, interfones e desconfortos aos ouvidos felinos.

Escrever no domingo é ato sacro, embalado pela voz rascante de Eric Clapton, o deus eterno, que canta memoravelmente ‘Still got the blues’.

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Três dias de folia e brincadeira

Carnaval não tem meio termo. É ame-o ou deixe-o. É fuga para a pequena cidade do interior ou entrega de corpo e alma, no meio de blocos ou atrás de trios elétricos. Falando nestes, eu já morri, pela visão musical de Caetano Veloso. Nada me soa com tamanho desconforto do que me imaginar suada, pisada, inteiramente rouca e, ainda assim, me sentir feliz. Hoje, acho surreal – embora tenha sido a melhor fase eufórica de minha vida – passar um mês pensando na fantasia que eu iria usar. Meus carnavais, com exceção de 1966 e 1967, foram todos em Rio das Flores, ainda garota e pré-adolescente. Aos 16 anos, optei por brincar o carnaval em Valença, cidade vizinha ao meu paraíso campestre. As primas estavam a mil, algumas hospedadas em minha casa, outras em suas próprias e todas com o pensamento no Clube dos Coroados. A saudosa costureira rioflorense Ana comprometeu-se a fazer nossos pareôs. Fomos a Valença comprar o tecido, com a intenção de igualar as fantasias, com leves variações. Era uma graça: fundo branco com hibiscos vermelhos, remetendo às dançarinas havaianas. Flores nos cabelos longos, nos pulsos, nos tornozelos. E lá fomos nós!

O Coroados tinha uma entrada bucólica, com bancos entre belos jardins iluminados, antecipando o salão. Sabe como é a adolescente carioca quando está fora de seus domínios… Se superestima mais ainda! Entramos no salão e nossos olhos piscavam muito pela aderência duvidosa de cílios postiços. Mas parecia charme. A orquestra começou a tocar e eu não vi mais nada! Entrei no meio do furacão e rodava pelo salão, seguindo o rumo dos foliões. Porque tem isso, não se pula carnaval na contramão da multidão.

A marchinha que bombou naquele ano foi ‘Máscara Negra’, do fabuloso e inesgotável compositor Zé Keti (‘Tanto riso, oh, quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor de colombina/ No meio da multidão’). Amizades iniciadas por um sorriso aqui, uma piscadela acolá.

Lá pelas tantas – perde-se a noção de tempo e espaço – um garotão começou a me seguir. Ou melhor, onde eu estava dançando, ele aparecia. Se eu fosse para o bar pegar um drink, ele também ia. Ficou tão próximo a mim, que aceitei rodar o salão abraçada a ele (era assim, naquele ano que Zuenir Ventura disse que não acabou). E nos três dias de baile, ficamos juntos. A menina de pareô e o acompanhante de sarongue, a versão masculina da fantasia, que enaltecia pernas e dorsos naturalmente bonitos, esculpidos por futebol (as academias de ginástica eram um traço no Ibope). Tudo devia acabar por ali. Só que eu não sabia que o cara tinha dois irmãos que poderiam ajudar no conchavo. Um era namorado de minha prima e o outro seria, em pouco tempo, o primeiro marido da atriz Maria Zilda. Munido de bons contatos, ele me achou aqui no Rio, onde também morava. Fiquei um mês fugindo do Rogério – era esse o seu nome -, que dava várias incertas no meu prédio. Mas aos 16, nossos hormônios nos conduzem. E acabei totalmente vencida no dia em que ele apareceu usando uma camisa polo azul-marinho com calça branca de veludo cotelê, que promoveram a elevação do estrogênio e progesterona de minhas glândulas! Os três dias de folia e brincadeira estenderam-se por quase três anos, com juras de amor eterno, que não se cumpriram. Não vale a pena economizar energia nesse precioso período de nossas vidas.

Ah, juventude, seu tempo não tem tempo. Ele corre…

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Crônica da melhor idade

Minha neta aflorou. Sim, está com sete anos. Mais alta, também. Os dentes permanentes nasceram grandes, dando ao sorriso dela um ar menos infantil. Parou de me enviar mensagens subliminares através de calorosos bilhetinhos, sugerindo um presente caro, o que minha filha sempre combateu: – ‘Mãe, deixa isso para o aniversário’. Não estou vendo uma peça de roupa dela esquecida aqui em casa. A estante que esvaziei para que guardasse seus desenhos em guache ou lápis de cor está impecavelmente arrumada e sem novidades.

neta

Perguntei-lhe se participou das oficinas de férias no shopping e ela disse que sim. Mas não me trouxe nada do que fez… Nem entrou em detalhes sobre o evento. Tenho um quadro de cortiça com moldura onde coloco algumas de suas fotos, desenhos e aqueles trabalhinhos escolares que deslocam meu espírito de lugar. Curiosamente, está igual há mais de três meses. Verdade seja dita que as duas primas mais velhas passaram um mês no Rio, trocando segredinhos que eu desconheço. E as músicas que as três cantavam também não estão no repertório do Disney Channel. Saíram à noite, foram beliscar no Bar Belmont, respectivamente acompanhadas de pais e mães. Mas não devia ter lugar para Avó. Fiquei em casa tomando conta do cachorro, que está velhinho e uiva quando se sente só. Foram dormir no apartamento da tia jovem, que promove desfiles entre elas, ensina truques de maquiagem e ainda posta as fotos do making of no facebook.

Depois da partida das primas que trouxeram gírias da pauliceia, danças das festinhas locais e um mundo hermético que nem um hacker consegue invadir, fiquei precisando de uma reciclagem. Telefonei para ela hoje: ‘Amor, Vovó vai ao oftalmologista. Quer ir comigo?’. Completamente ciente de seu papel em minha vida, respondeu: ‘É perto ou você vai precisar de alguém que segure o seu braço?’.

Ela amadureceu. Eu envelheci. E preciso de cuidados, vistos pelos olhos meigos e pela doce alma que nela reside.

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Relembrando o velho Leblon

Em 1960, quando cheguei ao Conjunto dos Jornalistas (não se usava o vocábulo condomínio), tive a impressão de que me mudara para New York. Saída de um aconchegante edifício de dois pavimentos, em Ipanema, fui direto para o 12º andar, cercada por três vizinhos.

No 1203, já morava o Othon, pai do Beto, Ricardo e irmãs. Em frente a mim, havia uma senhora que se descabelava o dia inteiro por não ter filhos e ver o corredor com crianças jogando bola, conversando aos gritos, comportamentos não compatíveis com os dias atuais. E na porta restante, nada mais, nada menos que o morador alcunhado de ‘Vai lá hoje’. Esse rapaz era dentista e portava uma patologia congênita, que era visível em seu caminhar. Mas de uma alegria contagiante e imperativa! Como as doenças sexualmente transmissíveis eram tratadas de forma simples, com o antibiótico injetável benzetacil, as chamadas zonas (de meretrício) eram tão frequentadas quanto uma escola de ensino fundamental. E meu vizinho gostava de se expor! O apelido veio de seu modo, naturalíssimo, de perguntar aos amigos, em alto e bom som: ‘Vai lá hoje?’. O implícito que acabou muito bem explicado…

Certo dia, uma menininha de seis anos apareceu na minha casa. Estava ‘perdida’, porque sua porta bateu com ela do lado de fora! Desceu do 14º andar com seu babydoll – pijaminha de verão – e falava muito! Nossa cozinheira Jacira foi levá-la em casa, onde, lógico, havia gente. Nunca mais se separou de minha família e ainda mora aqui no condomínio. Para quem não sabe, estou falando da Vick, irmã de nossa querida Sandra, entre os demais.

Outra pessoa que me vem à memória pelo hábito que tinha de colocar as pálpebras superiores e inferiores dos olhos viradas para fora – eu morria de medo! – era o Marcelo, primo do Ronaldo ‘Abelha’.

Abaixo dele, morava uma jovem chamada Eliane, que media 2,18 m. Meu irmão estava, então, com cinco anos, e desenvolveu uma espécie de pânico a cada vez que ela entrava (com a cabeça bem curvada) pelo nosso apartamento. Ficava imóvel sob a cama de minha avó, praticamente sem respirar.

Jornalistas

O conjunto, formado por três prédios (a foto mostra a restauração da pintura), registrou cenas que passaram para sua história. Tem até página no facebook, com fotos e fatos fantásticos!

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O Inferno Astral que me rodeia

Estou mal. Vítima de 26 dias vindouros, denominados ‘Inferno Astral’, que antecedem o meu aniversário. É uma espécie de TPM sem hormônios, que nos leva a crer que o melhor lugar do mundo fica numa caverna, no Himalaia. E sem monges por perto. Até eles me incomodariam. Sem qualquer som, até que viessem de flautas doces e harmônicas.

Preciso de um lugar que não conheço. Só sei que há uma chaminé, por onde sai a fumaça do café quentinho, adoçado no próprio bule. E que as toras de madeira estão empilhadas à espera do corte, direto para o fogão de lenha.

Não existe nada que me lembre o que tenho em volta. É um cenário de pintura campestre. O lado de fora de casinha é em tijolos aparentes. Uma pequena varanda tem apenas uma cadeira de palha, com uma mesa cambeta e três andorinhas de cerâmica azul-marinho, pregadas na parede. A sala é repleta de paninhos de crochê redondos, retangulares, que ficam sob bibelôs de gosto duvidoso. Mas era assim o passado e nele estou. Folheio revistas como o ‘Anuário das Senhoras’, para as moças casadoiras e as já ditas mulheres. Nada é objetivo. Uma freira ensina às leitoras como desvendar-se ao marido da noite de núpcias. Sob luz apagada, a noiva deverá deitar e cobrir-se até o pescoço, mantendo a respiração bem baixa. O esposo deitará, em seguida, removendo o lençol varagosamente, para que a amada não se sinta amedrontada com o amor que ainda não conhece. Beijos? Carícias preliminares? Nada disso! Fechando os olhos e pedindo a Deus que esteja presente na junção carnal, a pobre coitada é, literalmente, invadida. E ainda deve permanecer controlando a respiração, sem poder ofegar. Após o ato consumado, retira debaixo do travesseiro um robe de chambre e caminha-se para o banheiro. Putz, que trauma! E tem que voltar asseada e deitar-se junto ao esposo, que não precisa cumprir nenhum ritual.

Mesmo assim, essas mulheres entregavam-se de corpo e alma a seus companheiros. Tinham muitos filhos e não se importavam com pequenas traições. Diante da morte de seu parceiro, usavam luto fechado por um ano e se enviuvassem muito cedo, iam para a berlinda outra vez.

Mas estavam melhores do que eu. Diante do ‘inferno astral’, talvez chamado de crise neurastênica na época, ficavam deitadas com as cortinas fechadas, desmaiando, seguidamente, como camélias que caíam dos galhos.

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A inconsistência do mito

Aquele cara com jeito de intelectual doidão entrou na minha vida já faz tempo: em 1966, concorrendo com uma música interpretada por Nana Caymmi, no Festival Internacional da Canção, sediado aqui no Maracanãzinho. Cabelos pretos e lisos, com divisão do lado, olhos levemente puxadinhos, complementados por um sorriso largo e dentes meio desalinhados. A voz animada, às vezes entremeada por um pigarro, estava de acordo com as mãos, que exibiam um gestual em exagero. Os palpites engraçados e inteligentes só poderiam gerar ideias fantásticas, uma até com jeito de Broadway, mas totalmente adaptável para o Rio de Janeiro. Era a cara de uma juventude que estava sem referencial musical, principalmente, pelas perseguições dos censores da ditadura. Uma de suas maiores curtições foi contratar cinco garçonetes que serviam no ‘Dancin Days’, discoteca instalada no Shopping da Gávea, na Zona Sul do Rio. Rolava o ano de 1976. A casa noturna era pintada de preto e rosa em seu interior, algo que remete à sensualidade feminina. As garçonetes eram o máximo, super maquiadas, com aventais curtíssimos em renda, complementados por meias fumê. Por volta de 1 hora da madrugada, abandonavam as bandejas e voltavam exuberantes, soltando a voz entre urros da plateia, de se ouvir na rua Marquês de São Vicente, tranquila àquela hora. Sandra Pera, então cunhada do cara, foi a primeira convidada para o posto de garçonete. Arrebanhou Regina Chaves, Leiloca e Lidoca, egressas do Dzi Croquettes. Em seguida, a cantora Dhu Moraes passou a bater o ponto e o sexteto foi fechado com Edyr de Castro, que participou do musical Hair (‘a tigresa de unhas negras e íris cor de mel’, com que Caetano nos presenteou). Estava criado um dos grupos mais originais e talentosos daquela década. ‘As Frenéticas’ tinham, ainda, o suporte técnico de Roberto de Carvalho, então namorado de Rita Lee. Estouraram nas rádios, com trilha sonora e música de abertura de novelas, em todas as discotecas possíveis e inimagináveis. Fizeram a maior peça publicitária da TV brasileira, em horário nobre para todo o país, com 25 minutos no ar: era o lançamento do Barra Shopping, um empreendimento de peso que iria sacudir a Zona Oeste da cidade, captando moradores das Zonas Sul e Norte.

É desse Nelsinho Motta que eu falo hoje. Compositor, jornalista, escritor, roteirista, produtor musical e um grande letrista.

Que surpresa boa assistir ao primeiro capítulo da minissérie ‘O canto da sereia’, transportada para a TV do livro homônimo dele. Isis Valverde linda como baiana, tinhosa e venerada por um povo que se pudesse, passava a vida rondando um trio elétrico. Nenhum exagero. Situações cabíveis no cotidiano de Salvador.

Atores escolhidos a dedo, diálogo forte, política arranhada, deboche, mistério, tragédia e suspeitas. Perfeito!

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Ao encontro do porto seguro

riodasflores
Vou ao encontro de minha alma que, traidora, habita um lugar fora de mim. Refugiou-se entre pássaros livres, acompanhando o voo de suas asas curtas e ressabiadas ou grandes como planadores coloridos. Segue o rumo do vento, o pólen das flores, o último raio de sol. E, então, se acalenta junto ao córrego de águas brandas, salpicado de margaridas miúdas e jasmins.

Não fosse eu uma cidadã do asfalto, que vive entre tributos, taxas e impostos, já teria percorrido a estrada que conduz à minha alma, para ficar de vez.

O caminho se faz por uma serra quase sempre com neblina, cujo ar é puro e frio, chegando aos pulmões como uma bala de menta. Atravesso dois túneis de paredes brutas, sem a lapidação que a Natureza tanto despreza e o Homem venera. Não passo por cidades. O trajeto é sempre à margem de rochas, rios, pastagens com o gado quase imóvel, ruminando, ruminando… Vez por outra cruzo com pessoas que caminham pelas beiradas, carregando a esperança nas mãos. Ainda avisto crianças de pés descalços, sorriso largo que se estreita prontamente diante da luz dos faróis. O céu se mostra aberto, em azul de primavera, ou se pincela de algodão. Quando está pesado, com o semblante triste, chora.

Meu corpo sente a presença da alma, logo depois que cruza o pórtico de azulejos, anunciando o nome de meu recanto de paz. Adentro a terra segura, em comunhão com todos os seres que moram no meu habitat. E livre de um corpo vão, agora pleno de vida, explico a mim o porquê dos sobressaltos. Quem dorme com estrelas e acorda com o sol tem medo do inusitado…

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