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Archive for the ‘João Ubaldo – 1997’ Category

Morrendo em perfeita saúde – João Ubaldo Ribeiro

Não agüento mais de culpa, acusado de suicidar-me a cada instante, por matérias de revistas e jornais, pelos amigos e por desconhecidos íntimos com que me bato aqui nas ruas do Baixo Leblon. Venho de tempos bem mais amenos. Antigamente, o sujeito acordava, tomava uma xícara de café com leite e comia um pãozinho com manteiga. Hoje, isto não é mais possível e chega mesmo a ser encarado com horror pelos mais radicais. O café, além de poder conter substâncias ilicitamente adicionadas pelo fabricante, também causa males recentemente descobertos por um laboratório de Glasgow, ou Amsterdã ou Jacarta, que poderão deixar o freguês abestalhado, tarado, astênico ou hiperexcitável a ponto de matar a família e ir ao cinema. Leite, só desnatado e olhe lá, porque faz mal a muita gente que nem suspeita disso. Talvez a maior parte de vocês não saiba, mas muitos adultos têm intolerância ao leite e seu consumo os deixará abestalhados, tarados, astênicos, etc. Antigamente, ninguém sabia disso, de maneira que nosso avozinho podia tomar seu leite morno tranqüilamente aos 80 anos, enquanto hoje, se fizer isso, não passa dos 60. Pãozinho, nem pensar. Além dos aditivos, como o tremebundo bromato, é perigosíssimo carboidrato de farinha refinada, a ser temido como o diabo teme a cruz. E manteiga deve ser brevemente incluída nas listas de drogas proibidas, juntamente com cocaína e heroína. E uma omeletezinha? E ovos estrelados, daqueles reluzentes como o sol, que a gente encarava com requintes de esfregadinhas de pão na gema? Com presunto? Com bacon? Livrai-nos, Senhor, de todas essas pragas infernais.

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Amenidades dominicais – João Ubaldo Ribeiro

Hoje é dia de praia, boteco, pizza, macarronada em família, feijoada, namoro e outras atividades que nos fazem dizer que a vida é boa, o amor é lindo e o domingo é belo (espero que esteja mesmo, pelo menos ainda não estão cobrando taxa de respiração e exposição ao Sol) e semelhantes insanidades, todas destinadas a persuadir-nos de que vale a pena continuar. Claro que vale a pena continuar, não estou querendo convencer ninguém do contrário, mas que tem sido duro, lá isso tem, vocês hão de concordar. Somos um povo extraordinário, capaz de suportar coisas que nem um centésimo dos outros povos agüentariam. Devemos todos ter truques secretos para permanecermos aqui.

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Algumas idéias antipáticas – João Ubaldo Ribeiro

Vamos reconhecer, todo mundo tem algumas idéias antipáticas, até mesmo detestáveis, as quais, por uma razão ou outra, geralmente conveniência ou comodismo, ocultamos do semelhante. Muitas dessas idéias são partilhadas por outros, mas, porque costumamos escondê-las, deixamos de nos unir em torno de certas causas, que, no fundo d’alma, portamos com furor. Por exemplo, talvez como muitos de vocês, detesto pombos. Não deixo de sensibilizar-me com a imagem da pomba da paz, portando seu raminho de oliveira no bico, mas isso é só porque gostaria que palestinos e israelenses deixassem de se odiar e encontrassem um meio de conviver sem enrolar dinamite no corpo ou metralhar crianças. É só um símbolo — e do símbolo eu gosto, só não gosto de pombo.

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Parece praga, só pode ser praga. Comecei a semana que se foi com as notícias alarmantes sobre as bolsas (com as quais não tenho nada a ver, mas o terrorismo é avassalador) e com a explosão do primeiro foguete espacial brasileiro, pipocando no lançamento. Claro, explodem foguetes americanos, franceses, chineses e outros, mas por que o nosso primeiro tinha que dar chabu? Por que a História alimenta nosso crescente autodesdém? Por que o desgraçado do primeiro foguete tinha de explodir e nos vem a suspeita de que um faxineiro esqueceu uma vassoura de piaçava numa turbina? Se fosse o segundo ou o terceiro, tudo bem, mas logo o primeiro, para continuar a tradição de que aqui nada dá certo? Fiquei injuriadíssimo, meus caros leitores. E com a bolsa também, essa maneira indecente de ganhar dinheiro, mais indecente ainda por estar fora de nosso alcance plebeu. Tem gente se dando muito bem, cada vez menos gente (claro, porque o dinheiro não se evapora, sai da conta do haver para a conta do dever e ao contrário e tem gente enchendo o traseiro de grana, com essas quedas todas; o que sei mesmo é que alguma coisa deve estar abandonando o nosso bolso). A sensação que se tem é que, em breve, vai haver 6 bilhões de pobres e 36 ricos, sem saber o que fazer com o dinheiro, a não ser comprar pobres e praticar com eles tiro ao alvo, ou qualquer coisa assim — não foi à toa que os ingleses proibiram a caça à raposa, algo mais excitante vem aí, não se pode confiar em inglês e não me refiro somente aos indianos. Fico imaginando um gringo lendo no jornal sobre a Brazilian Space Agency e tendo a certeza de que se trata de um esquema para canalizar a flatulência dos habitantes dos trópicos e lançar coprólitos ao espaço, em forma de mulheres bundudas e messalínicas.

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Ao começar a escrever agora, resolvi que é a última vez em que digo que não gosto de viajar. Não convenço ninguém, porque vivo viajando. Como sabe a pertinaz meia dúzia de três ou quatro leitores desta coluna, mal acabei de enfrentar a fugaz experiência de ser hospedado na zona de Copenhague. Pois bem, passei os últimos dias em Frankfurt, na honrosíssima qualidade de único escritor brasileiro, com exceção do Zé Saramago, convidado para a Feira do Livro pelo seu país-tema este ano, Portugual. As crônicas que saíram nestas duas últimas semanas eram uma vil traição. Foram feitas com antecedência, porque não tenho mais meu lapetope Toshiba, que se suicidou faz alguns meses, sem dúvida em conseqüência de meus atentados contra a nossa língua. E, mesmo que ainda o tivesse, sou possuído por suores frios e tremores, quando obrigado a passar matérias por computador, coisa que nunca consigo sem o auxílio da reportagem (em Copas do Mundo), ou sem a assistência do ascensorista do hotel (em outros casos).

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— Tu lembra que falou na prótese, que era a revolução do futuro?

— Lembro. Ainda acho que é a revolução do futuro.

— Tu fez?

— Não, não, ainda não. Ainda estou esperando um certo avanço na tecnologia. Você sabe como são essas coisas, tu compra um computador de última geração e, na semana seguinte, ele só serve para ser aproveitado como radiador de Chevette, a tecnologia vem andando muito rápido, tem de maneirar e esperar um pouco.

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Leio aqui nas folhas, com grande escândalo, que, na Malásia, agora é proibido apagar as luzes nos cinemas, no intuito de preservar a moral e os bons costumes. Que pretende a Malásia, subverter todos os valores mais caros à cultura universal? Ninguém, com exceção do nobre conselheiro Sérgio Cabral, que já esteve até nas Malvinas, sabe onde é a Malásia e, graças a Deus, não é nos Estados Unidos, pois, do contrário, já haveria um deputado propondo a mesma medida no Brasil. Sabendo nós, ou não, onde fica a Malásia, os malásios também são filhos de Deus e não podemos deixar de nos horripilar com medida tão atentatória à comunidade dos freqüentadores de cinema.

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