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Archive for the ‘João Ubaldo – 2002’ Category

Esse governo de Lula – João Ubaldo Ribeiro

Posso estar enganado, mas eu, que já passei quase dois anos do sessentinha, nunca vi disso, nem quando Jânio ganhou a eleição e fez seguidores fanáticos no Brasil todo, cada cidade contando com pelo menos um sujeito que era a cara do Jânio Quadros, queria ser a cara dele e o imitava em tudo. Em Salvador, havia uns dois, um dos quais até me cumprimentava, passeando de um lado para o outro na Praça Tomé de Souza, com um ar tresloucado, as melenas escorridas pelos lados da testa, os óculos na ponta do nariz, a gravata e o paletó tortos, vassourinha na lapela — tudo, enfim.

Ele era Jânio Quadros.

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Papai Noel, desengano – João Ubaldo Ribeiro

Neste Natal, muitos de nós, uma hora lá qualquer da noite, vamos ficar meio de beiço pendurado e ânimo melancólico. Sempre que converso com mais de uma pessoa sobre o Natal, pelo menos uma delas me diz que partilha comigo desse sentimento um tanto indefinido, não propriamente tristeza, mas uma certa dor difusa, uma certa saudade de nada, uma certa melancolia, enfim. É algo, como as doenças de antanho, que vem com os pneumas, os fluidos misteriosos que enchem o ar sem que nos apercebamos. Tanto assim que contagia até quem não é cristão, como sei que acontece.

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A lei da mordaça – João Ubaldo Ribeiro

Antes que me acusem de propaganda enganosa, apresso-me a esclarecer que os que esperarem aqui uma análise profunda da chamada “lei da mordaça”, ou mesmo uma explicação pormenorizada do que é a tal lei, se decepcionarão. Estou tão confuso sobre o assunto quanto a maior parte de vocês, se é que a maior parte de vocês, nesta época do ano em que somos forçados pela tradição a devolver à circulação o dinheiro que achamos que é nosso e ficamos com um riso besta estampado nas nossas faces ovinas, tem tempo para se preocupar com a lei da mordaça. Até porque não há, segundo creio, somente uma lei da mordaça, mas várias leis da mordaça, em diversos estágios de elaboração, meandrando pelos gabinetes e corredores do Congresso.

Sei apenas que a lei da mordaça a que se referem notícias e comentários mais recentes proíbe a autoridades divulgar fatos sobre os quais tenham conhecimento, no exercício de suas funções. Dito assim, até parece coisa de sueco — não vamos incriminar ninguém antes de a culpa estar formada, não vamos atingir reputações injustamente, não vamos prejudicar investigações com a divulgação de dados que possam beneficiar os culpados e assim por diante. Uma beleza, como, aliás, é grande parte de nossa ordem jurídica. Ousaria mesmo dizer que, em matéria de leis suecas, estamos muito à frente da Suécia.

O chato, lamentavelmente, é que só temos as leis (e, até janeiro, teremos o primeiro-ministro, a quem chamamos de presidente e, em breve, será o melhor ex-presidente do mundo, com Jimmy Carter em distante segundo lugar) da Suécia, não temos o resto. Pois o que vem à mente de qualquer brasileiro, ao saber de uma lei como essa, é que sua finalidade não é proteger inocente algum, é proteger os culpados mesmo, é arrolhar ministério público, juízes, promotores, delegados e quem mais lá estiver incluído no rol dos que poderiam falar. E, por tabela, a imprensa — ou mídia, no feliz dizer hodierno — também vai ficar arrolhada, por falta de acesso a dados importantes.

A imprensa não é constituída por bonzinhos e santos. Tem todos os defeitos de qualquer coletividade humana, definida por qualquer critério, como têm defeitos as coletividades de padres, barbeiros, torcedores de qualquer time, motoristas de táxi, médicos, donas-de-casa, o que lá for. E, de fato, por exemplo, não há editor que não tenha protagonizado ou testemunhado como é necessário conter o ímpeto denunciador de jornalistas que querem condenar ou absolver antes da Justiça e jogam irresponsavelmente com a honra ou reputação alheias. Mas não pode ser essa uma razão para não querermos uma imprensa livre, pois as vantagens dela para a liberdade geral de longe superam as desvantagens.

A imprensa, no Brasil e também fora, é rotineiramente responsabilizada pelos males que denuncia. Não passa dia sem que alguém acurralado, de senadores a cartolas de futebol, culpe a imprensa pelo mal que ela denuncia. Há gente que põe a culpa na imprensa até pela situação socioeconômica do povo brasileiro. É como se se pensasse que, não se vendo a miséria, ela não existiria. O chato é que não se trata de um problema de física quântica, trata-se de um problema que pode ser atacado no universo newtoniano mesmo: ela existe e não é a imprensa que a cria, assim como não cria ladrões do Erário, bandidos sanguinários e toda espécie de monstruosidade que vira notícia.

Mas, ao que parece, vem recrudescendo o problema da censura, o que de novo deve ser culpa da própria imprensa que sofrerá (ou já sofre) censura. A lei da mordaça a que fiz referência acima logo vai a plenário e tudo indica que o Congresso atual a quer deixar como lembrancinha final a nós todos. Que beleza para os impunes, hem, nada de nomes, nada de ações, nada de nada e o tudo-fica-por-isso-mesmo que nos caracteriza a História permanecerá preservado e fortalecido, levando-se ainda em conta (nunca mais ouvi falar nela, não sei se já está em vigor, quais são seus dispositivos que mais me afetam, nada, nada, minha ignorância é vasta) que também deveremos ter uma lei da imprensa severa. Para quê lei de imprensa, não sei. A definição jurídica dos crimes contra a honra, que são os principais atribuídos à imprensa, já existe e pode ser aplicada a qualquer um, inclusive um jornal ou TV, sem que os estabelecimentos culpados tenham que ser fechados, assim como, no Brasil, não se mata (a não ser privadamente, mas isso aí já é outro capítulo, o da pena de morte privada, instituição nacional já arraigada) quem injuria, difama ou calunia.

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Novidades de fim de ano – João Ubaldo Ribeiro

Acabou o ano, ficaram poucas novidades para este restinho diante de nós, a principal das quais será a perspectiva da subida ao poder de um novo presidente e uma Câmara de Deputados e um Senado parcialmente renovados. Claro, ainda haverá os fogos de fim de ano, certamente um atentado ou dois e os Estados Unidos talvez não agüentando mais, de tanto se coçar para invadir o Iraque, partam para a guerra, acompanhados dos ingleses. Ouvi em um noticiário que os gastos americanos com armas subiram para a estratosfera, a começar pelo estoque de bombas inteligentes, daquelas em que ouvimos falar desde a primeira guerra do Golfo, que iam cair numa refinaria e, por leve equívoco, explodiam num hospital a cem quilômetros de distância da refinaria. A morte e destruição que virão já causam grande e sagrada alegria em certos círculos.

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Tudo sob controle – João Ubaldo Ribeiro

As boas almas que acompanham esta coluna sabem que já me manifestei contra isso sobre o que irei manifestar-me, novamente contra. Nunca é demais, principalmente para nós, apreciadores de futebol. Não me refiro a mudanças de regras que se propunham, por exemplo, a transformar o futebol numa espécie de basquete jogado com os pés, com a partida dividida em quartos e o cronômetro parando. Coisa de americano, um povo que acha futebol um esporte chato feito para meninas jogarem e prefere assistir a beisebol, um esporte, esse, sim, chato, que consiste em um jogador mascando fumo e cuspindo para o lado, enquanto outro, acocorado, coça as partes pudendas e ainda outro brande um bastão, ao tempo em que o resto produz uma coreografia incompreensível.

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Saudades de FH – João Ubaldo Ribeiro

A maior parte dos freqüentadores de botecos e assemelhados, grã-finos ou não, concordará comigo: já se ouvem críticas, às vezes contundentes e exaltadas, ao governo de Sua Excelência dr. Luís Inácio Lula da Silva. Para começar, “Sua Excelência”, não; “companheiro”, no máximo, pois não só é o que os petistas usam entre si, como simplesmente não cola chamar um metalúrgico de “doutor”, do mesmo jeito que se faz com qualquer um que ponha gravata ou dirija um carrão no Brasil. Doutor e Sua Excelência, uma conversa. Companheiro Lula e olhe lá, simplesmente não dá pé chamá-lo de outro jeito, o que já é — ninguém tinha pensado — um de seus múltiplos defeitos, pois só que tem o direito de chamar o presidente de “você” em público, aqui no Brasil, é o Jô Soares, como todo mundo sabe. E esse não, esse vai ser chamado de “você” a torto e a direito e, o que é pior, é capaz de atender.

E que defeitos tem o governo dele, que ainda nem começou? Ah, todo tipo. Por exemplo, é o responsável pela trapalhada financeira e cambial em que estamos metidos há meses — há anos, aliás — se bem que a responsabilidade dele deve, a bem da verdade, ser restrita, com boa vontade, a uns quinze meses. Claro, ele não podia fazer outra coisa senão desmentir que vá ignorar compromissos anteriores ou tomar atitudes extremadas, até porque não pegariam. A sociedade está atenta e não admitirá certas liberdades. Mas não desmentiu com a convicção necessária, nem chorou e bateu no peito uma vez sequer — como é que o investidor estrangeiro pode ter certeza de alguma coisa, se só se pode acreditar nesse povinho se ele jura pelo santo dele e chora pelo time dele?

Mas não é só isso que ele tem feito de errado, num governo cuja assunção ele até já está topando adiar para 6 de janeiro. Vejam vocês, o povo todo ansiando por novos tempos e ele concordando em adiar a posse por uma semana. E talvez adie, mesmo diante da oposição ferrenha de dr. Fernando Henrique, que se recusa a aceitar esse golpe contra as instituições estabelecidas há décadas (está bem, há anos; mas, de qualquer forma, estabelecidas). Um novo mandato, tudo bem, pratica-se nos países mais chiques, mas seis dias, não. Já viram como começaram a pintar as saudades, viram a diferença entre um que não tergiversa nem é capaz de entrar em acordos por auto-interesse e um que está doido para agradar de qualquer maneira?

Querem mais? Já marcou viagens! Nem sentou na cadeira presidencial, já marcou viagens e visitas a dignitários e dirigentes de outros países! Ninguém percebe a gravidade disso? Alguém tinha de ter emendado a Constituição antes, para não permitir que o presidente viajasse, a não ser para as partes mais atrasadas do país, como a terra dele. Perguntarão vocês por que e a resposta é mais do que clara: porque o país não pode passar vexame. As viagens do dr. Fernando Henrique, além de nos trazerem vantagens e títulos de glória, ainda serviam para mostrar que, no Brasil, há quem fale língua de gente, com o homem deitando e rolando em qualquer idioma, do inglês ao chinês. Diz o povo que não há língua que ele estude uns dias e não passe a falar melhor do que os nativos.

Quando questionado sobre o fato de não se negar ao contato com o povo, Lula explicou que sempre fora contra esse negócio conhecido de, antes da eleição, o candidato puxar o saco de todo mundo para, depois de eleito, não atender mais ninguém. Todo mundo é contra, é claro, realmente isto não se faz. Mas agora ele é presidente, não pode ficar se expondo a qualquer maluco, de beijoqueiro a terrorista. Se nós falaríamos mal dele, caso ele evitasse chegar perto demais do povo? Claro que falaríamos, nenhuma das duas atitudes é possível para ele, os brasileiros deviam ter atentado para isso, antes de votarem. Se passar a evitar o povo, é um metido a besta como os outros. Se não evitar, é um irresponsável leviano. É o que dá não saber votar e escolher um candidato como ele, inviável pela própria natureza.

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Esperando minha vez – João Ubaldo Ribeiro

Sou jornalista desde os 17 anos, ou seja há quase 45. (Quando digo esse tipo de coisa, costumo ficar meio assim, porque nunca esperei fazer 45 anos de nada, nunca passaria dos 30, sempre alegres, inteligentes, sadios e namoradores, mas, agora que cheguei aqui, ainda quero mais unzinhos, mesmo que chatos, debilóides, enfermiços e enviagrados). Meu pai, que nunca foi muito democrata dentro de casa, pois acho que gastava toda a democracia dele fora, chegou um dia em casa e me mandou trocar de roupa para sair. Era para me levar a um jornal, o extinto e saudosíssimo “Jornal da Bahia”, onde eu deveria iniciar minha carreira como repórter. Naquele tempo não havia escolas de comunicação, era tudo no tapa, e eu aprendi tudo no tapa, menos diagramação, que requeria o uso de réguas, geometria rudimentar e algum senso espacial, área em que eu sempre fui classificado de cretino, inclusive por psicólogos profissionais.

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