Antes de passar à palestra, deixem-me explicar: adoro os livros de Isaac Asimov, e descobri há alguns anos um site excelente sobre ele, o Isaac Asimov Online, criado por Edward Seiler e que tem ótimas informações, dados bibliográficos, classificação de seus livros por assunto e listas dos livros das séries da Fundação e dos Robôs em ‘ordem cronológica’ das histórias. Vale a pena visitá-lo!
No site há um link para esta palestra, em inglês. Como o material foi considerado em domínio público pelo autor da gravação (mais explicações na introdução da palestra, logo abaixo), decidi traduzi-la para que mais pessoas possam conhecer as idéias inovadoras de Asimov, não só quanto a temas de ficção científica, mas em questões do dia-a-dia da humanidade e aonde isso pode nos levar.
O ‘bom doutor’, além de extremamente criativo, era uma pessoa de muito bom-senso. E isso fica evidente ao lermos a transcrição desta palestra, feita há 36 anos, e que no entanto continua atual e pertinente.
O texto é bem longo (mais de 9 mil palavras), mas vale a pena.
Boa leitura!
Para saber mais:
- site asimov on Line (em inglês)
- Entrada de Isaac Asimov na Wikipédia (em português)
- site Império de Isaac Asimov (em português)
O Futuro da Humanidade – palestra de Isaac Asimov
(texto original em inglês, The Future of Humanity, retirado do site Asimov On Line; tradução de Cristine Martin)
Assunto: O Futuro da Humanidade
Local: Newark College of Engineering
Data: 8 de Novembro de 1974
“O documento a seguir é a transcrição de uma palestra dada pelo Dr. Isaac Asimov. Ela vem de uma fita de áudio que mantenho em minha coleção desde a 6ª série. Ela não está disponível em lugar algum; por favor, não me mandem e-mails pedindo cópias. Eu a apresento ao grupo como tributo a um homem que mudou meu modo de pensar quando mais precisei.
Fiz algumas correções quanto a palavras mal colocadas, eliminei quaisquer gaguejamentos, etc. Essas edições não afetaram de modo algum o conteúdo pretendido da apresentação. Após ouvi-la por tantos anos, eu a compreendo completamente.
Enquanto vocês leem isto, tenham em mente que o bom doutor improvisou muitas de suas palestras. Geralmente, quando era solicitado a falar em um dado evento, ele perguntava qual era o assunto desejado e raramente, se tanto, preparava algo para a ocasião. A maior parte do que vocês leem aqui é inglês conversacional, e pode não parecer muito elegante no papel.
O que vocês leem aqui, apesar de eterno, é um produto de seu tempo. 1973 viu o fim de muito otimismo trazido dos anos 60, e o embargo do petróleo era a primeira inconveniência real experimentada pelos “baby-boomers” da América em escala nacional. Muitas famílias de classe média precisavam então do salário de duas pessoas, e o custo de vida estava subindo.
Vinte e dois anos se passaram desde que o bom doutor apresentou isto, e o conteúdo ainda carrega uma verdade universal. Mesmo que isto seja a única coisa que você leia, produzida pelo falecido Dr. Asimov, poderá ter uma boa ideia quanto ao nível de sua sabedoria. Eu sinceramente duvido que este mundo possa ver novamente outro indivíduo com habilidades remotamente próximas das dele.
Por favor, note que este material NÃO está protegido por direitos autorais, e eu o estou colocando em domínio público.
B. Torre
8 de junho de 1995″
INTRODUÇÃO (pessoa não identificada)
É agora com grande prazer que lhes apresento um homem que é provavelmente o escritor de ficção científica mais prolífico do mundo hoje. E, ele é também um homem muito erudito…e não vou falar mais, porque ele é muito mais esperto que eu. Apenas vou… bem, isto não é falar demais, mas… vou trazê-lo até aqui agora. Ahhn… por favor, recebam o Dr. Isaac Asimov.
(aplausos)
Palavras do Dr. Asimov:
Obrigado, obrigado. Eu tenho… vocês podem ouvir o que estou dizendo, ou terei de me inclinar até isto aqui?
(sem resposta)
Vocês podem me ouvir quando eu falo assim? Alguém?
(algumas pessoas respondem que podem entendê-lo.)
OK.
Minha viagem de Newark até aqui foi muito emocionante.
(risadas do grupo)
Porque, vocês sabem, minha correspondência vai para meu escritório. Que não é onde moro. E quando me disseram que iriam me buscar, eu cuidadosamente escrevi uma carta bem clara explicando exatamente onde moro. O que inevitavelmente fez que eles mandassem o pessoal para meu escritório.
(risadas suaves do grupo)
Enquanto eu estava lá na rua, esperando pelo carro, ouvido o tique-taque dos minutos passando, percebendo que eu deveria estar aqui às oito horas… fiquei desesperado. Finalmente chamei minha esposa ao interfone e disse: “Ligue para o escritório e pergunte se há alguns idiotas lá procurando por mim”(risos)
Ela fez isso e me chamou de volta, dizendo que era lá que eles estavam, e que ela havia dito a eles para virem aqui. Eu disse: “Por que você fez isso? São quatro quarteirões. Eles nunca vão conseguir!”
(risos)
Eles quase não conseguiram.
(risos)
Tive de esperar mais dez minutos.
(risadas fracas)
Então, mas finalmente chegamos aqui cinco minutos adiantados. E batemos em uma porta fechada.
(risadas fracas)
E um guarda de segurança abriu e disse: “Você não pode entrar”.
(risadas fortes)
E os dois rapazes que estavam comigo, que pareciam estudantes de faculdade… tipos bem insípidos…
(risadas fracas)
…disseram: “Tudo bem com a gente”, ele disse, “Mas este é o palestrante”. E o guarda olhou para mim e disse: “Este é o palestrante?” E eles disseram que sim. “Eu ouvi dizer que o palestrante está lá em cima”
(risadas bem fortes)
E então entramos por outra porta onde não havia nenhum guarda.
(risos)
E aqui estou eu. Agora, aquele outro palestrante não vai dizer uma palavra a vocês, mas aposto que ele vai receber o cachê.
(risos)
Ahhh… Mas de qualquer modo, agora vocês percebem por que odeio viajar. Minha discussão sobre o futuro do homem se aplica muito, muito bem ao que acabou de acontecer comigo, como vocês logo vão ver. Deixem-me explicar.
Uma vez, quando eu não tinha nem dezenove anos, escrevi uma história chamada “Trends” (tendências). Foi a primeira história que vendi a John Campbell para a velha “Astounding Science Fiction”. Ela apareceu no número de julho de 1939.
E nela eu falei da primeira viagem ao redor da Lua e de volta à Terra . Eu a situei na década de 1970. A primeira tentativa, que foi um fracasso, foi em 1973. E a segunda tentativa, que foi um sucesso, foi em 1978. O voo verdadeiro aconteceu em 1968, então fui conservador em dez anos. Além disso, meu voo foi tudo o que houve, enquanto que na vida real o voo ao redor da Lua foi precedido de todos os tipos de voos orbitais e sub-orbitais, e acoplamentos, e correções de meio-curso, e satélites de comunicação, e satélites de navegação… tudo o que há sob o sol.
Então vocês podem ver como eu estava errado. De fato, eu estava ainda mais errado que isso, porque quando eu escrevi minha história, em 1939…38, ela foi publicada em 39… quando escrevi essa história, eu tinha ideias definidas sobre como um voo espacial aconteceria.
Em primeiro lugar, eu fiz meu inventor construir uma espaçonave em seu quintal.
(risadas fracas)
Em segundo lugar, eu tinha a atitude de que qualquer homem suficientemente bom para construir uma espaçonave era bom o suficiente para pilotá-la.
(risadas fracas)
O que eu quis dizer era que o inventor era o astronauta, uma grande economia de tempo e trabalho.
(risadas fracas do grupo)
Além disso, não me preocupei em estabelecer bases de computadores em nenhum lugar… especialmente, não no Texas. Porque hoje em dia, para ser perfeitamente honesto com vocês, e isso é o que eu gostaria de ser, perfeitamente honesto. Para ser perfeitamente honesto com vocês, eu realmente não vejo qual é o grande problema sobre chegar à Lua com computadores e as correções de meio curso. Sei que vocês são um bando de engenheiros, e vocês sabem melhor que eu, mas eu pergunto… uma vez que vocês tenham deixado a atmosfera, vocês vêem ou não vêem a Lua?
E se vocês vêem a Lua, é só ir até ela, não?
(risadas mais fortes)
Na verdade, a única coisa que me deixou confuso… a única coisa que me deixou confuso nessa história é de onde lançar a espaçonave. Eu vivi no Brooklyn toda a minha vida, e olhando ao redor percebi que não havia um lugar de onde lançar uma espaçonave com segurança…
(risadas)
… sem causar a ira dos cidadãos.
E então pensei que seria melhor lançá-la de algum lugar fora do Brooklyn. E isso me deixou imediatamente encrencado porque eu não sabia, com certeza, se existia algum lugar fora do Brooklyn.
(risos)
Quer dizer, ouvi alguns rumores a respeito, mas eu sou um sujeito muito difícil de enganar. Eu gosto de provas concretas. Mas percebi que tinha de fazer alguma coisa, então eu lancei a nave… a espaçonave… dos limites mais distantes do mundo conhecido. Para ser mais preciso, na Cidade de Jersey.
(risadas muito fortes)
Não estou brincando. Eu realmente o fiz. E ainda assim, eu vendi esta história.
(risadas)
Não apenas vendi esta história, mas ela foi reimpressa cinco vezes. A última vez, em 1973. Naquela época, eu suspeitava que a maioria das pessoas podiam perceber que os detalhes na minha história estavam errados.
(risadas fracas)
Bem, por que isto, vocês se perguntam? Eu lhes digo. A história não foi impressa por causa de qualquer um dos detalhes de engenharia… desculpem a expressão. Ela foi publicada porque eu tinha algo que o editor nunca havia visto antes. Eu havia postulado a resistência a um voo espacial. Havia uma grande organização de pessoas na terra que ficavam doentes com qualquer coisa sobre as pessoas tentarem sair para o espaço. Eles achavam que as pessoas deveriam ficar na terra e cuidar de seus próprios negócios. E isto nunca havia sido postulado antes. Nunca!
Até aquele momento, o único modo que a viagem especial havia sido tratada era ou o herói ir para Deneb ou algum lugar desse tipo, e lutar com os homens-ostras de lá,
(risadas fracas)
… e casar com a linda princesa que põe ovos,
(risadas fracas)
…sem qualquer referência seja da terra ou das pessoas que vivem lá. Por outro lado, o único modo de lidar com o voo espacial era ter o herói pousado na Lua, ou em outro lugar parecido, e então fazê-lo voltar e ser recebido com um desfile com chuva de papel picado, com todos muito felizes com seu ato heróico.
Nunca ocorreu a ninguém que realmente poderia haver alguma resistência ao conjunto da ideia; as pessoas deviam pensar que era uma ideia estúpida e um desperdício de dinheiro.
Depois que escrevi a história, novamente, ninguém teve a ideia. Não acho que alguma outra história tenha aparecido, onde houvesse algum tipo de oposição ao voo espacial. Digo, a princípio. Até a época em que a oposição apareceu.
E então vocês devem pensar como é possível que um rapazinho de dezoito anos, muito simples e ingênuo, que literalmente e honestamente duvidava se havia algum lugar fora do Brooklyn. Como era possível que ele pudesse ver algo tão claro, que cabeças mais velhas e mais duras não conseguiram ver?
(mais…)
Read Full Post »