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Archive for the ‘Manoel Rodrigues’ Category

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Bloco “Simpatia é quase amor” em Ipanema – Foto G1

Nos últimos anos o carnaval de rua na Cidade do Rio de Janeiro vem se revitalizando, atraindo milhares de foliões de fora do Estado e mantendo nela a sua população amante da folia.

Essa revitalização tem como base uma série de fatores, alguns deles advindos dos apoios dados pelo estado e prefeitura (certos blocos, como o Cordão do Bola Preta e o Cacique de Ramos, foram tombados como Patrimônio Imaterial da Cidade do Rio de Janeiro – reconhecidos, assim, como patrimônio cultural), bem como grandes patrocínios de empresas privadas.

Em 2011 foram autorizados a desfilar na cidade, na época carnavalesca (compreendendo os finais de semana anterior e posterior aos dias de folia), 424 blocos. Isto quer dizer que 424 agremiações foram aprovadas pela prefeitura – dentre muitas outras mais que se candidataram a promover seus desfiles -, depois de fornecerem uma série de informações, tais como: percurso a ser percorrido; horário de início e de término; número estimado de integrantes. Tudo isso para que o serviço público pusesse à disposição dos foliões a infra-estrutura necessária, como policiamento, fiscais de trânsito, além das medidas necessárias para não prejudicar aqueles que não quisessem participar dos folguedos.

O resultado numérico da participação naquele ano foi de impressionar : cinco milhões de pessoas brincaram, cantaram, beberam, se divertiram, enfim, foram felizes , carnavalescamente falando, da maneira que quiseram.

É verdade que quatro ou cinco blocos foram responsáveis por mais da metade desse número de integrantes: o Cordão do Bola Preta reuniu dois milhões de foliões num sábado; o Monobloco, quatrocentas mil pessoas num domingo, o Suvaco de Cristo, a Banda de Ipanema, o Simpatia é Quase Amor, levaram, em total, centenas de milhares de indivíduos para as ruas. Apesar dessa concentração, remanesceram muitos outros participantes espalhados pelas demais agremiações autorizadas, retratando uma festa bem diversificada, em termos de locais, horários e gostos.

Para o carnaval de 2012 foram aprovados os desfiles de 425 agremiações, alterando-se alguns trajetos em relação ao ano anterior, de forma a evitar sobreposição de atrações, responsável por transtornos para os passantes, para o trânsito e para os moradores dos locais.

A relação oficial dos blocos autorizados, com horário e percurso, está disponível em blogs e sites especializados. Este texto se propõe a destacar o nome de alguns desses blocos autorizados a desfilar. Bem ao estilo do humor dos cariocas, eles são engraçados, alegres, singelos, maliciosos, irreverentes, debochados, de duplo sentido, mas, acima de tudo, criativos. Verdadeiras pérolas, como se pode notar na seguinte relação que, se não chega a ser original, pois outros fazem lista parcialmente similar, tenta mostrar o espírito que envolve a festa :

  • Imprensa que eu gamo
  • Meu bem, volto já
  • Mulheres de Chico
  • Não mexe que fede
  • O pluto é filho da pluta
  • Rola preguiçosa tarda, mas não falha
  • Empurra que pega
  • Que merda é essa?
  • É pequeno, mas vai crescer
  • Eu choro curto, mas Rio Comprido
  • Suvaco de Cristo
  • Concentra, mas não sai
  • Simpatia é quase amor
  • Vem ni mim que sou facinha
  • Cachorro cansado
  • Largo do Machado, mas não largo do copo
  • Tá cheio de maluco aí
  • Voltar pra quê?
  • O berro da viúva
  • Katuca que ela pula

Notas:

…O “Imprensa que eu gamo” foi criado, e até hoje é frequentado, por profissionais da imprensa.

… A agremiação “Mulheres de Chico” é composta somente por mulheres tocando os instrumentos. Com atuação também fora da época do carnaval, mistura samba, axé, etc. Seu repertório é calcado nas músicas do compositor Chico Buarque. O nome Mulheres de Chico significa também uma brincadeira com a expressão meio chula utilizada por alguns ao definir a situação das mulheres, quando mensalmente “incomodadas”.

… O bloco “Que merda é essa?” foi alvo de uma grande polêmica em 2011 ao trazer como enredo uma sátira à tentativa de “censura” do livro Caçadas de Pedrinho, do Monteiro Lobato, nas escolas públicas. Trazia nas camisetas a figura do escritor, abraçado a uma mulata de biquíni. O estilo desse bloco é o de fazer críticas sociais em seus desfiles. Aliás, por conta disso, na votação ocorrida num jornal de grande circulação, foi agraciado naquele ano com um prêmio especial, pela defesa da liberdade de expressão.

… Rio Comprido e Largo do Machado são bairros da Cidade do Rio de Janeiro.

…O “Suvaco de Cristo”, criado há 26 anos, desfila pelo bairro do Jardim Botânico, no sopé do Morro do Corcovado, tendo por cima, lá nas alturas, o braço direito de uma das sete maravilhas do mundo moderno, a estátua do Cristo Redentor.

… O “Concentra, mas não sai” representa o que efetivamente acontece. O bloco não desfila, fica estacionado. Músicos e participantes se encontram nos bares do local de concentração, tocando, sambando, cantando, comendo, bebendo. Pura diversão. Muito concorrido. Dizem que à época em que foi criado, ao chegar o momento do início do desfile, os músicos levantavam da cadeira, davam uma volta em torno dela e tornavam a sentar, em nome do simbolismo que a festa requeria.

… Segundo Ruy Castro em seu livro “Ela é Carioca”, que descreve os anos áureos de Ipanema, período responsável por esse pedaço de terra ter se tornado um dos bairros mais conhecidos mundialmente, o nome do bloco “Simpatia é quase amor”, que lá nasceu em 1985 e lá se agigantou, foi extraído do personagem “Esmeraldo Simpatia é Quase Amor”, do livro de Aldir Blanc, “Rua dos Artistas e Arredores”. O bloco teve como sua primeira musa a grande jogadora de vôlei, Isabel, e as suas cores, lilás e amarelo, foram inspiradas na então embalagem do Engov, antiácido de primeira necessidade entre seus organizadores, amantes de um bom copo.

Fonte: Lista oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro, consultada através do Google.

(Publicado originalmente em 26 de dezembro de 2012)

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Acaso revelador

A moça sai à rua durante seu intervalo para almoço, naquele dia enfadonho, despido de sobressaltos, como, aliás, tem acontecido amiúde na sua vida recente.

Ao chegar ao final do primeiro quarteirão, vê o seu ex-amado andando na outra calçada, de mãos dadas com uma mulher, com certeza seu novo amor.

Não dando tempo para o freio de emergência ser utilizado, seu coração se joga numa queda vertiginosa, como se fora o brinquedo “Cabum” dos parques de diversões afamados.

Ela não esperava essa sua reação, ou melhor , a reação de seu coração, agindo por conta própria, sem consultar e esperar as orientações que viriam do sensato chefe da casa de máquinas e que poderiam por a funcionar as travas de segurança indispensáveis. Sente-se desnorteada por alguns momentos.

Recomposta da surpresa, a moça entra no restaurante e coloca no prato uma salada frugal, bem de acordo com a sua disponibilidade financeira resultante do parco salário mensal e também em decorrência do pouco apetite adquirido após tal visão inesperada.

Enquanto mastiga, fica pensando se não foram inúteis todos os esforços para enterrar a lembrança daquele sentimento, interrompido antes de findar o prazo de validade.

Ela entende ter cumprido todos os procedimentos adequados para sepultamento do amor matado. Cremou-o imaginariamente e pôs as suas cinzas imaginárias num buraco imaginário bem profundo, cavado no chão real do seu jardim florido, considerado o espaço correto para guarda definitiva de algo tão belo que ornamentou muitos instantes inesquecíveis. E por cima de todo o imaginário, colocou um vaso robusto, preenchido com terra árida, ambos reais, de modo a impedir que os restos imaginários germinassem, ou se espalhassem em virtude de um pé-de-vento desastroso. Sempre achou que cuidados excessivos nunca são demasiados quando se tratam de bloquear as aflições que atacam a alma.

Era hora de voltar ao trabalho. Parada na fila de espera do elevador, ela procura na lista de telefones de seu celular o número não apagado na época devida. Na ocasião alegou, num monólogo doído, que tal ação configuraria uma fuga.

Percorre as funções e encontra o comando de exclusão. Fica indecisa por alguns segundos e em seguida retorna à página inicial, sem acionar a tecla que apagaria o concreto vestígio da existência de algo que um dia poderia vir a ser considerado só um sonho indevido sonhado. Como justificativa, a mesma utilizada anteriormente.

A moça entra no escritório e, automaticamente, senta-se em frente ao seu computador, piscando os olhos e mexendo com o nariz de um lado para o outro, prática aprendida em épocas de crises emocionais e destinada a barrar lágrimas inapropriadas. Enquanto uma delas dribla o nariz vigilante e cai em cima do teclado, ela abre a tarefa que havia sido, descuidadamente, deixada minimizada no monitor ao terminar um jogo que nem lembrava mais de ter jogado antes do intervalo.

Da tela iluminada surge uma garrafa de champanhe a jorrar líquidos de alegria em meio a fogos coloridos, explodindo a mensagem que atrai a sua atenção, ao dizer:

–“Parabéns, você venceu!”

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A maratona (42,195 km) e a meia maratona (21,0975 km) do Rio de Janeiro, realizadas na data acima mencionada, não podiam ter acontecido numa época mais feliz : uma semana após essa linda cidade ter sido declarada pela UNESCO como a primeira a ganhar o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.

Mesmo quem nunca esteve na cidade já viu as diversas imagens que a tornaram tão famosa : a Praia de Copacabana, o Morro Pão de Açúcar, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo, enfim, lugares que são componentes de um conjunto esculpido ( a maior parte ) pela mão de Deus, artista mais do que perfeito.

O percurso da maratona do Rio de Janeiro cobre o seu litoral famoso, desde o Recreio até o citado Aterro do Flamengo. A meia maratona, como o nome diz, compreende metade de tal trajeto, desde o “Pepê”, na Barra da Tijuca, até o Aterro, ponto final de ambas.

Este ano resolvi correr uma meia maratona e escolhi justamente essa, pelo visual de tirar o fôlego. Ou melhor, de tirar o fôlego não, porque precisaria dele na ocasião. Mas pelo visual que acrescentaria mais motivação à minha vontade de competir.

Meu sonho era corrê-la num dia de sol ameno e resplandecente, como são os dias de outono e do início de inverno nessa cidade paradisíaca.

Para meu azar, uma semana antes da corrida peguei uma gripe que atacou a minha sinusite crônica, deixando-me congestionado, afônico e com alguma dificuldade em respirar. Tudo de ruim, não é? Bem, mais ou menos! A voz afônica me permitiu não ter de argumentar desvantajosamente em diversas discussões estéreis com a patroa. Em muitas delas limitei-me a enigmáticos “dar de ombros”. Qual homem não sonha agir dessa forma, sem represálias?

No sábado, os meus familiares acharam que eu não iria correr devido ao meu estado gripal e, principalmente, em face das chuvas que se anunciavam para domingo. Na verdade, a parte sensata da minha mente me dizia a mesma coisa. Porém, ela ficou calada quando eu me levantei às quatro horas da manhã e comecei a vestir o uniforme, só se manifestando quando botei os pés fora de casa e notou a chuva encorpada. Era tarde, no entanto. A decisão já estava tomada.

Dirigi-me ao local de largada na expectativa de que o tempo ruim logo desaparecesse, como ocorreu há alguns anos com um amigo meu, nessa mesma corrida. Contudo, já devia ter aprendido que a história não se repete, principalmente quando ela nos pode ser favorável : a chuva nos castigou durante 80 % do trajeto. Nos restantes 20% só não aconteceu o mesmo em virtude da proteção oferecida pelos túneis e elevados existentes ao longo do percurso.

Na virada de Ipanema (Arpoador) para entrar em Copacabana, na Rua Francisco Otaviano, o aguaceiro e o vento gelado batiam nas costas dos corredores. Lembrei-me daquele ditado que diz – “Existem duas coisas que matam de repente : vento pelas costas e marido traído, invocado e valente, pela frente.”

Aliás, o vento era tão forte que empurrava os copinhos de água largados no chão, fazendo-os correr numa velocidade superior à dos atletas.

Ao longo da Avenida Atlântica, em Copacabana, a organização da corrida colocou diversos palanques cobertos, repletos de pessoas contratadas para animar, com palmas e gritos de apoio, os corredores que passariam já bastante cansados. Tentei negociar com alguns deles a troca de lugar. Em vão.

Cheguei ao final da corrida. Dolorido e encharcado. A minha pele estava toda enrugada por tanta água absorvida. Imaginei ser necessária uma abstinência de banhos por alguns dias para que ela se recompusesse.

Peguei a medalha de conclusão da prova. Sentia-me um herói, ora bolas. Não importa o meu tempo total de corrida. Só sei que cheguei vinte minutos antes do queniano vencedor da maratona. O fato da distância da sua prova ter sido o dobro da minha e de ele ter largado uma hora depois eram meros detalhes insignificantes. Pelo menos para mim.

Preocupado com minhas condições físicas, mas satisfeito pelo meu feito, fui embora para casa lembrando que antes devia passar no supermercado e comprar duas lasanhas para o almoço, dessas que já vêm prontas dos frigoríficos. Acho que faria uma média e tanto com a família por tê-la deixado por algumas horas, num domingo de lazer a ser vivido em conjunto.

Entrei no ônibus, aparentemente demonstrando um estado deplorável, pois alguns passageiros me lançaram olhares de comiseração. Sentei-me. Em seguida comecei a sentir calafrios. Logo após vieram a tosse e um pinga-pinga no nariz intermináveis. Apavorado, pensando nas possíveis consequencias danosas ao meu organismo por causa da minha irresponsabilidade, murmurei no meu francês fajuto de poliglota frustrado, como sempre acontece quando fico aflito :

– “Phou Deuce !”

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O regime de trabalho escravagista vem de muitos séculos atrás e, embora algumas leis, mudanças de costumes e o progresso industrial tenham diminuído a sua utilização, não o extinguiu totalmente.

Há uma série de exemplos que fazem com que reconheçamos a existência do labor escravo, mesmo nos dias atuais e mesmo em nações ditas desenvolvidas. A faina fatigante dos bóias-frias, desempenhada sob sol e chuva, recebendo em troca uma remuneração aviltante, quando não somente um prato de comida não possuidora das proteínas e calorias necessárias, é um exemplo do trabalho escravista. Como o são, o trabalho infantil, o trabalho sob condições higiênicas e de segurança inadequadas e as jornadas de durações diárias desumanas.

Um camarada amigo meu sofreu, e ainda sofre, com o regime de escravatura a ele imposto nas tarefas executadas em diversos períodos das sua vida.

Tudo começou por volta dos seus dez anos de idade. Era uma época em que talvez só as famílias de magnatas do porte do Bill Gates e o Eike Batista fossem possuidoras do engenhoso equipamento denominado “maquina de lavar roupas”. Sua mamãe era a substituta desse eletrodoméstico que ainda não se sabia tão essencial, prestando serviços para as madames das classes sociais mais altas. O meu camarada, como primogênito, era seu auxiliar direto, carregando trouxas de roupas em sua cabeça. Apesar de eu argumentar que nada tem a ver com essa atividade, ele jura que a sua elevada baixura foi decorrente de tanta carga carregada, num processo inverso aos das mulheres-girafas, as quais colocam colares múltiplos em seu pescoço de modo a deixá-los bem alongados, conforme explanado pela nossa amiga Lu Dias em texto bem elucidativo postado neste blog.

É compreensível a sua tristeza ao falar da infância abandonada a partir dessa idade. Do adeus à bola de meia, ao pião, às pipas. Seu carrinho de rolimã teve, pelo menos, uma serventia quando encostado: passou a ser a base de um vaso plantado com uma “espada de São Jorge”. O carrinho passou a ser fundamental nas mudanças de decoração da modesta casa da família. Toda a vez que a sua mamãe enjoava da decoração existente, como é habitual em todas as mulheres, a principal alteração era o deslocamento do vaso para outro canto da sala. Nem é preciso explicar o quanto as rodas da engenhoca auxiliavam em tal tarefa.

Anos depois, entre seus treze e dezesseis anos, foi ajudante numa quitanda do seu bairro. Lá ele fazia de tudo, desde o serviço de limpeza do estabelecimento e o de atendimento aos clientes, até o serviço de entregas, este precursor do hoje famoso “delivery”, naquela época ainda não inventado.

De todas as tarefas, havia uma da qual ele não desgostava: a de apalpar as frutas para sentir se já estavam passadas ou não. Tinha predileção por sentir a forma das peras. Tinha visto algumas revistas de naturismo – o filé mignon do erotismo da época entre a gurizada – e percebido que alguns seios de jovens mulheres se assemelhavam ao contorno dessa fruta. Ele gostava da sensação resultante, sua mente viajava. Frise-se que era uma época pré-silicone. Hoje, na época pós, para viver idêntica sensação talvez tivesse que atuar no balcão dos melões.

Da fase entre dezessete e vinte e cinco anos ele nem gosta de lembrar. Era prisioneiro do tempo futuro. Foi a fase da combinação do muito trabalho e salários baixos com os estudos à vera, estes englobando faculdade e cursos de extensão e complementares. Foi a época desperdiçada. Foi a fase das baladas não curtidas, dos namoros não descobertos, da vida passando ao largo.

Daí em diante arranjou seu senhor definitivo: tornou-se servo permanente do governo.

Pois foi assim: metade de cada ano vivido desde então passou a ser gasto trabalhando para o governo, sob a égide de um contrato unilateral nunca assinado, sem auferir qualquer remuneração, recebendo em troca tão somente benefícios sofríveis- como seguro saúde, por exemplo. E ai dele se não cooperasse. Seria executado –jurídica e penalmente- sem piedade. E como é cruel o regime escravagista nesse contrato unilateral. O patrão chega ao desplante de não observar determinadas leis promulgadas por ele mesmo, como a que visa favorecer os indivíduos de muita idade. Basta ler o Estatuto dos Idosos e se constatará que há nele um benefício de caráter amplo reduzindo em 50% os custos dos idosos com mais de 60 anos e os eliminando para aqueles com mais de 65 anos. Redução ou isenção de custos é, econômica e matematicamente, a mesma coisa que conceder uma remuneração nos mesmos montantes.

Noutro dia estava eu conversando pela enésima vez com o meu camarada a respeito dessa relação trabalhista governamental. Dizia-me ele, já com seu cérebro embotado por algumas caipirinhas:

– O problema é que não existe um sindicato para dialogar e negociar com esse patrão. Aqueles que poderiam fazer tal papel, tipo a classe política e a sociedade, têm outros interesses e não se preocupam com o assunto. Nossa CLT, já muito antiga, nem o reconhece em seus muitos artigos e parágrafos. Falta-nos um legislador de competência que se interesse pela matéria.

– Você tem ideia de alguém que pudesse exercer esse papel? – arrisquei eu, só para instigá-lo.

– Houve um sujeito no Rio de Janeiro que viveu mais de oitenta anos sem nunca haver trabalhado, só gozando a vida e o bem bom que ela lhe ofereceu. Claro que ele possuía um suporte financeiro robusto deixado por familiares, a título de herança. O importante é que, com sua experiência, ele seria capaz de criar algo para beneficiar os trabalhadores tão massacrados.

– O que ele poderia sugerir ou elaborar?

– Penso, por exemplo, que ele poderia criar a semana de trabalho composta por quatro dias de descanso, dois dias de bate-papo com os colegas de labuta e um dia de trabalho árduo, este necessário para que se compreendesse a importância dos outros seis, ou seja, para que os demais dias não caíssem na rotina, nem causassem tédio.

– Mas, essa jornada já existe, alguns políticos a praticam.

– Então eu também a quero. Igualdade de direitos já! Está no livrão!

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O casal de meia-idade resolveu comemorar o dia dos namorados pondo um pouco de molho nas suas não tão constantes atividades sexuais. Assim, os dois decidiram passar a tarde desse dia especial na suíte de um motel de luxo, com sauna, hidromassagem, televisão a cabo com cine prive e ar condicionado; coisa fina mesmo.

Ao entrarem na suíte, ficaram extasiados: as luzes eram de várias tonalidades; as cortinas, aveludadas; o tapete, bem felpudo; e o espelho no teto abrangia toda a sua área, embora eles evitassem olhá-lo; afinal, entre outras coisas, refletia inclementemente os já grisalhos cabelos do homem (ela pintava os seus, a cada quinze dias).

A primeira providência prática foi a de ligarem o ar condicionado na temperatura máxima; era a ocasião de curti-lo, pois evitavam ligar o de casa tendo em vista o custo elevado da energia elétrica. Prevenidos, botaram seus casacos; eles eram muito friorentos. Depois os tirariam quando fossem para debaixo das cobertas.

O homem, então, ligou a televisão e sintonizou imediatamente o canal erótico, desligando-a em seguida. A elasticidade e os predicados dos atores produziram neles imediatas sensações de desconforto e insegurança; corria-se o risco de a contemplação resultar em complexos de inferioridade. O efeito seria o contrário do que imaginavam.

A mulher, neurótica quanto ao peso ideal, propôs:

-Amor, vamos para a sauna perder uns quilinhos?

-Não quero; tenho receio de me resfriar, misturando o calor da sauna e o frio do ar condicionado. Além do mais, nós podemos perder esses quilinhos em abdominais e flexões em cima da cama.

-Imagina! Eu não tenho esse preparo físico todo. O que você andou tomando?

-Está certo; vai você para a sauna, eu religo a televisão e vejo um pouco da sessão da tarde.

-Não, senhor! Televisão nós assistimos em casa. Lembre-se: viemos para cá com o objetivo de fazermos tudo em conjunto.

Aí, fez-se um silêncio incômodo. Então, o homem sugeriu:

– Que tal uma hidromassagem? Posso encher a banheira.

-Não, de jeito nenhum. Eu não sei quem usou e de que maneira ela foi usada antes de nós, nem sei quais procedimentos de assepsia e esterilização foram nela procedidos. Além disso, a borda é muito alta; você sabe que eu tenho artrose na perna direita, vou ter muitas dificuldades para transpô-la. E, se eu entrar, tenho medo de escorregar e me machucar, qualquer contusão na nossa idade traz muitas complicações.

-Amália, de qualquer modo você terá que entrar na banheira; o chuveiro fica sobre ela.

-Então, usarei só o chuveirinho, ao lado do vaso.

-Então, tá. Mas vá logo, só de pensar no chuveirinho em ação eu já estou fervendo.

Quinze minutos depois, a mulher reapareceu, e ele já estava cochilando.

-Estou aqui, amor.

-Hein? Ah, sim! Uai, não vai tirar o casaco?

-Não, está mais quentinho assim. Ué, cadê? Você não estava fervendo?

-É; esfriou, né? Vem cá!

-………………………..

– Hei, não apague a luz!

– Você sabe que eu me bloqueio toda com as luzes acesas.

-Mas nós viemos curtir o ambiente, as instalações… Eu queria acompanhar a nossa movimentação no espelho…

-Não, não e não! Já lhe disse que eu tenho vergonha.

-Tsc, tsc, tsc…

-………………………..

-Poxa, Amália! Você não tirou os óculos!

-É mesmo, esqueci.

-………………………..

-………………………..

– Ei, pode parar. Dessa maneira não!

-………………………..

-………………………..

-Aonde você vai, Amália?

-No banheiro; preciso fazer xixi. É o maldito remédio da pressão.

-………………………..

-………………………..

-Você colocou muito talco; esqueceu que sou alérgico? Daqui a pouco, vou começar a espirrar.

-Desculpe; vou tirar.

-………………………..

-………………………..

-Foi bom pra você, amor?

-Foi; e pra você?

-Foi muito gostoso. Quando quiser, podemos ir embora.

-Mas, Amália… Nós temos direito a um período de seis horas, nem completamos duas horas!

-E o quero faremos aqui?

-Podemos ler um pouco do jornal; eu o pego no carro.

-Não; não estou a fim.

-Já sei! Vamos dormir um pouco, satisfazer aquele velho desejo, lembra que nós nunca dormimos num motel, primeiro por causa de seus pais, depois pelos filhos?

-Está bem! Chega pra cá; deixe-me recostar no seu ombro.

-…………………………

-…………………………

-Ai, Amália!

-Que foi?

-Sai de cima do meu braço; ele está dormente.

-Desculpe!

-Espera aí… Que você está fazendo?

-Estou ligando paras as crianças; preciso saber se está tudo bem.

– Que mania! Até aqui? Ah, vamos embora! Já se passaram três horas, a gente pode passar no supermercado e comprar uma carne para fazer um churrasquinho amanhã, para comemorar essa nossa aventura de hoje. Mas será um segredo só nosso.

-Bem pensado! Posso chamar meus pais para o churrasco?

-Hummm… Tudo bem. Pedirei a conta.

Alô, senhora, pode mandar a conta? Como? Ah, sim, consumimos dois refrigerantes. Uma perguntinha: estamos aqui somente há três horas, tem um descontinho?

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Pensamentos (im) perfeitos

– Um homem nunca perde uma mulher. Ela é que se acha. Muitas vezes apenas temporariamente.

– Amizade é uma troca constante de favores. Ela cresce e se alimenta disso. A inimizade resulta da quebra da corrente.

– O murmúrio (ou o grunhido) é o discurso inflamado do esperto, quando acossado e sem argumentos. O grito é a defesa do imbecil.

– Amor incompreensível é aquele que remanesce após o tesão ter se exaurido.

– Socialismo e comunismo: regimes políticos e econômicos que visam o bem estar dos absolutamente sem condições e dos indolentes. Aparentemente beneficiando mais estes do que aqueles. Até por estes serem mais espertos.

– Alguns indivíduos são verdadeiros poços de virtudes. Bem rasos. E com seus interiores lamacentos.

– A ética reinante nas relações entre os que vivem à margem da lei geral, e seguem leis próprias, deveria ser estendida para toda a população. Teríamos um mundo onde o respeito imperaria.

– Se você entende que um pensamento lançado em sua direção, sabidamente contrário às suas convicções, é uma provocação, vai ter a amarga certeza de que o é. Se, no entanto, você se der a oportunidade de examinar a parte de seu cérebro que você não costuma frequentar, exatamente aquele que não agasalha somente as experiências já vividas e as ideias ali já plantadas, talvez conclua que, na realidade, está lhe sendo oferecido um convite à reflexão.

– Não há quem não enalteça a liberdade como o bem maior concedido ao indivíduo. Muitos, contudo, aceitam entregá-la como moeda de troca em negociações com a solidão.

– Eu queria ser um pássaro do amor para semeá-lo no coração dela. E aceitaria recompensa.

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Mensagem para Vovó

Minha avozinha.

Bem sei da sua expectativa pela minha chegada. Posso perceber essa ansiedade no tom de sua voz.

Eu também quero vê-la, quero ouvi-la cantar músicas para eu dormir, quero ouvi-la contar histórias para me entreter. Aliás, desconfio que algumas dessas histórias serão bem cabeludas, cheias de monstros e assombrações, do tipo “Saci sem cabeça” ou coisa parecida. Imagino que você as conte só para que eu a abrace com força, pedindo sua proteção. Realmente, não duvido que a maioria delas me provoque arrepios de medo. É claro que nessas ocasiões seus braços acolhedores me esconderão desses seres assustadores, alguns danados de ruins, sempre prontos para amedrontar criancinhas. Porém, nunca vou lhe dizer que algumas parecerão tão fantasiosas que nem eu acreditarei. Mas fingirei crer. Nunca quebrarei o encanto desses momentos, pois sempre serão boas desculpas para me aninhar em seu colo.

Sei que me contará sobre os brinquedos utilizados pela sua turma quando você era menina, sobre os quais nunca terei ouvido falar. Em seguida me explicará como eles funcionavam, alguns deles improvisados por você e por seus amigos e amigas. Essas suas habilidades e engenhosidades antigas me encherão de orgulho.

Tenho a certeza de que você procurará ajudar muito na minha educação, citando bons exemplos a serem seguidos e chamando a atenção para as virtudes que muitos não valorizam.

Contudo, não quero somente receber. Acho que a minha presença também vai ajudá-la. Pelo menos assim espero.

Eu serei a sua modernidade e, por isso, compartilharemos as novidades que aparecerão, as quais compreenderei muito mais facilmente do que você, como é comum nas sucessões de gerações.

Nos seus momentos de melancolia quero estar próximo para , em seu lugar, chorar o seu choro. Crianças derramam lágrimas à toa, ninguém vai questionar seriamente os meus motivos.

Acredito que você ande preocupada por seus cabelos estarem brancos e ralos. Pois vou lhe contar um segredinho: estou careca. Sei também que você algumas vezes ficará triste por não a escutarem. Não se aflija. Se lhe serve de consolo, eu ficarei um bocado de tempo sem saber falar. E se por acaso você se incomodar por estar encolhendo na sua altura, tenha a certeza que ainda será maior do que eu por muitos e muitos anos.

Dizem que netos são as últimas grandes alegrias dos idosos. Não sei se é verdade. Se for, ficarei contente pela minha presença afastar de seu rosto as rugas de preocupações, de frustrações e de desapontamentos, sobrando somente as marcas de sorrisos nos cantos da sua boca. Essas são muito lindas!

Por tudo isso, vovozinha, se prepare. Eu já estou chegando.

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