– Tudo bem, Papai Noel?
– Tudo bem, mas cansado.
– É, a Lapônia é longe, e o transporte de trenó voador não é nenhuma primeira classe…
– Não, o cansaço físico não me atinge. O problema é o cansaço mental, e certo desencanto.
– Como assim?
– Ora, meu caro entrevistador, como você sabe, faço esse meu papel há muito tempo. Sempre esperei que o desamor, a mentira, a desonestidade, a insensibilidade – sobretudo para com os mais fracos – decaíssem, sendo substituí dos por seus opostos. Mas vejo, cada dia mais, crescerem tais ervas daninhas no jardim terrestre, cultivado com tanto carinho por minha colega Natureza, bem como por poucos e abnegados seres humanos…
– Mas, Papai Noel, as crianças ainda acreditam…
– Ah, as crianças… Justamente elas são as criaturas mais atingidas. Vê-las sofrendo com fome, maus-tratos, doenças, pedofilia, e agora o que chamam de bullying, me tira do sério, me irrita, e me leva às lágrimas.
– Porém, Papai Noel continua existindo e levando presentes às crianças.
– Presentes materiais, meu caro. No entanto, cuidados, atenção, calor humano, harmonia familiar, coisas assim, inefáveis mas imprescindíveis, não se vendem nos shoppings, nas lojas de rua… Nem nos camelôs. Ho, ho, ho!
– Mas a tecnologia…
– É ótima, meu caro entrevistador, desde que cada iPod, iPhone, tablet, game, tevezona e outros babilaques, venham embrulhados no fino papel de seda do amor, do carinho, da atenção. E não é bem isso que se vê, num mundo dividido pelas guerras, pelo ódio, encharcado de corrupção…
– O senhor me parece bastante desencantado mesmo, talvez deprimido.
– Não, meu caro. Embora às vezes o desencanto me assalte – como a qualquer um – ele é passageiro. Sabe por que, meu prezado entrevistador?
– Por que, Papai Noel?
– Porque sou feito de sonho. Como uma árvore de Natal, eu também me acendo quando sou tocado pelo espírito do Natal. Então, renasço, revigorado e pronto para fazer meu duro, estafante porém maravilhoso trabalho, com alegria, até porque é assim que recebo meu invejável presente.
– Que presente, Papai Noel?
– Uma coisa chamada “sorriso de criança”. Nas casas pobres ou ricas; nos hospitais e orfanatos, nos acampamentos de refugiados, e mesmo dentro das barrigas de mães que vão repetir o milagre da maternidade, lá estão esses sorrisos me esperando. Então, caro entrevistador, eu é que sou o mais presenteado. Eu e qualquer pessoa que se disponha a se tornar um Papai Noel ou u´a Mamãe Noel. Você tem filhos, meu prezado entrevistador?
– Tenho, Papai Noel, porém não são mais crianças, são dois homens feitos, o Felipe e o Miguel.
– Engana-se, gentil repórter. Eles continuam sendo crianças. Na Noite de Natal, repare o brilho no fundo dos olhos deles. Aquelas chamas da esperança, do afeto, da criatividade e sobretudo da renovação estão lá, acesas pelo “toque de Papai Noel” que qualquer um pode dar. Esse é, sempre, sempre, o melhor presente.
– Obrigado, Papai Noel, pela entrevista.
– Eu é que agradeço, gentil repórter. A despeito das vicissitudes, um bom Natal e um Ano Novo feliz. Vamos lá, renas queridas… Ho, ho, ho, ho!