Venho lendo várias opiniões sobre os xingamentos à Dilma no estádio. Contra e a favor. As alegações vão desde “expressão de revolta” e “natural para o ambiente” até a “identificação de classe social reinante” e “machismo”. Acho natural que as opiniões sejam controversas, porque atualmente, neste país bipolar, nada é simples.
Por um lado, foi um comportamento grosseiro sim. Foi extremo, sim. Foi desrespeitoso, sim. Não é bonito ver uma multidão gritando palavrões. E sim, haveria outras formas de demonstrar repúdio. Por outro lado, o PT está colhendo o que plantou, sim! Tem muita hipocrisia na indignação dos petistas. A indignação dos oposicionistas, surpreendentemente, soa mais sincera. Ou, pelo menos, mais coerente.
O próprio PT nos ensinou que os atos devem ser encarados segundo suas motivações e não o ato em si. Mesmo discordando do ato, devemos ser tolerantes dependendo dos motivos. Então, mesmo achando que foi um ato feio, tentemos compreender o que levou a plateia a se manifestar dessa forma.
Que erros cometidos pelo PT levaram a esse acontecimento?
1) O PT, com seu comportamento, vem ensinando à população que:
– contra quem discorda de sua vontade, é válido agir com xingamentos e até violência. Até ameaçar uma autoridade com “um tiro na cabeça” é válido, depredar patrimônio público é aceitável, invadir propriedades é louvável, então um palavrão é realmente mais grave que tudo isso?
– para se conseguir o que quer, tudo é válido – os fins justificam os meios.
-debate político se faz com agressões e não com argumentos. Debate político em nível elevado é coisa de ‘conservadores atrasados”, da “direita reacionária”. A geração liderada pelo PT levou a política a níveis chulos, em nome do populismo. Vale voltar ao ano de 2000, com a famosa frase de José Dirceu em um palanque: “Eles [os tucanos que governam São Paulo] têm que apanhar na rua e nas urnas” , o que provocou uma agressão física de sindicalistas ao Mário Covas, já doente do câncer que viria a matá-lo.
– negociação é coisa desvalorizada; quando se tem uma causa, é preciso usar a intimidação e a força. Se você quer ter propriedade, é válido invadir a propriedade de outro. Se o governo quer mudar uma estrutura institucional, melhor governar por decreto. Se você roubou ou matou porque a sociedade o colocou na pobreza (ou para ajudar o ParTido), é preciso ser tolerante. Nem sempre é preciso ter respeito pelo outro.
– a tolerância a qualquer ato de rebeldia é relativa. Depende muito do conceito de “nós e eles”. Portanto, mandar o Cabral tomar naquele lugar pode, mandar a Dilma, não. Jurar de morte o líder do Judiciário não é nada demais; xingar a líder do Executivo é gravíssimo.
– se a autoridade pertence ao bloco de “eles”, não merece respeito. Se for uma ameaça, deve-se buscar uma forma de destruir sua reputação, mesmo com mentiras. É compreensível e tolerada até a agressão física. Deixaram isso muito claro quando a Presidente da República recebeu na sede do governo, com festas e agrados, os manifestantes do MST que feriram 30 policiais que tentavam impedir que esses manifestantes invadissem prédios públicos; embora somente 2 manifestantes tivessem sofrido ferimentos leves, os policiais (um deles ferido gravemente) foram os criticados pelo Ministro da Justiça por estarem cumprindo seu dever de proteção do patrimônio público.
– o Brasil foi dividido em vários pedaços, e cada pedaço foi ensinado a ver o outro com ódio e desprezo. Aqueles com quem não concordamos (ou que não concordam como ParTido) são nossos inimigos.
– criticar grosserias ou cobrar uma postura ética e respeitosa passou a ser considerado “coisa de coxinha”, “coisa de elite burguesa”, “coisa de branco de olhos azuis” e, mais frequentemente, “preconceito”. A garotada resolve fazer bagunça e correria nos shoppings assustando os frequentadores e lojistas? Só a elite burguesa achou isso inconveniente. A garotada da periferia só queria ter seu direito de expressão, e estar em um local público não deveria mudar seu comportamento. Bem, o público do estádio também só queria se expressar.
2) Erros de estratégia:
– o governo do PT, ávido por manter o poder eleitoral, politizou um evento esportivo a seu favor. Em todas as referências à Copa, aproveitou para inserir autoelogios mentirosos à sua administração. Até o pronunciamento da presidente referente à abertura da Copa foi recheada de propaganda institucional, como foi o seu discurso, que deveria ter sido de boas vindas ao Papa, na Jornada da Juventude. Depois esperavam que o público presente no evento dissociasse o evento da presença dela no estádio. Não poderia acontecer.
– não consideraram o ambiente. Esse xingamento específico, de uns anos para cá, passou a ser corriqueiro em estádios de futebol. Povo mal educado? Sim. Mas também temos um presidente emérito que diz publicamente coisas como “querer metrô até os estádios é babaquice” e que, quando não sabe que está sendo filmado, também usa palavras de baixo calão como vocabulário normal, inclusive a mesma frase.
-não consideraram que, neste evento, o povo é “nós” e o governo é “eles”. Por mais que tenham elitizado o futebol, o esporte não pertence ao governo, pertence ao povo. É o seu território, mesmo que os estádios sejam privatizados. Mas o comportamento desrespeitoso vai ser o que foi ensinado. E tentar excluir determinada classe social da categoria de “povo” é hipocrisia manipulativa. Povo é coletivo: a soma de todas as classes sociais, todas as religiões, todas as raças e todas as escolhas políticas de um país. Ou seja, todos os seus habitantes, sem exclusão, como determina a tão ignorada Constituição Brasileira.
– o governo priorizou, por ideologia, o sentimento de lealdade ao bloco de países socialistas e à liderança de Cuba, em vez da identidade brasileira. Fez isso por 12 anos seguidos. Inseriu a bandeira de Cuba, que sequer participa do evento, com destaque no clip oficial da Copa do Mundo no Brasil como mensagem subliminar. Provocou a “onda vermelha” de bandeiras em substituição à verde e amarela. Chegaram ao ponto de fazer militantes substituírem a bandeira brasileira em uma universidade por uma bandeira vermelha. Bandeiras brasileiras são queimadas em protestos organizados por seus “coletivos”. Tentar resgatar a identidade e o patriotismo brasileiro em cima da hora não convenceu. A presidente trocar o tailleur vermelho pelo verde na véspera da abertura da Copa não convenceu. Esqueceram que o esporte nacional em Cuba é o beisebol, não o futebol. O futebol desperta o verde e amarelo no coração do brasileiro. Nesse momento, o povo auriverde perde a identificação com o governo vermelho. O governo torna-se “eles” no imaginário do torcedor, e sua presença lembra o tamanho de sua insatisfação com “eles” nos outros aspectos de gestão, mesmo que torça para a seleção. E reage de acordo com o comportamento de desrespeito ensinado por seus governantes.
– a relação entre povo e governo é muito parecida com a relação entre filhos e pais. Filhos tendem a testar limites com os pais e a imitar seu comportamento. Os pais, ao educar os filhos, estabelecem onde fica a linha do limite. Se os pais usam de dois pesos e duas medidas, a linha não é contínua. Quando essa linha é pontilhada, os filhos aprendem a ultrapassar o limite por entre os espaços vazios, pois perdem a referência de quando o mesmo ato pode ser tolerado ou não.
Terá ficado alguma lição, algum legado, desse acontecimento? O futuro dirá. Uma interpretação possível é a da reciprocidade: o povo apenas desejou à nossa governanta o que ela tem feito com ele esse tempo todo.