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Archive for the ‘Miguel Falabella’ Category

Uma leitora me escreve, alertando para o fato de o excesso de memória e peso, na bagagem de lembranças, retardar o avanço na caminhada. Segundo ela, uma mochila mais leve permite saltos mais altos, horizontes mais distantes e descobertas mais rápidas. Aconselha-me, cheia de carinho, a esvaziar a mala e arrumar tudo de novo, atirando fora aquilo que eu julgar desnecessário.

Estou pensando na mensagem, sentado aqui, no meio da tarde de sábado, um vento morno soprando sobre a Lagoa moribunda. Estou pensando nas coisas que ela me disse e ponderando sobre o que devo, ou não, atirar no lixo – que espécie de sentimento e saudade deve-se permitir escapar da mente, antes que ela se extinga? Estou aproveitando a mudança que se aproxima (mais duas semanas e toda minha vida será encaixotada rumo ao novo endereço), para limpar as gavetas da memória e selecionar aquilo que vai e aquilo que fica. É muita coisa, eu admito, mas não sei se quero abrir mão delas, na verdade. Não sei que espécie de alegria eu vou ser capaz de abraçar, sem a lembrança das minhas mágoas. Não vou ser capaz de alimentar uma nova ilusão, sem o parâmetro da solidão. Não. Não vou jogar nada fora, por mais pesada que esteja a bagagem. Preciso de toda a memória.

Todos precisamos de toda a memória possível. Para traçar novos caminhos, lembrando do esboço que primeiro se riscou. A falta de memória, seja individual ou coletiva, acaba destruindo qualquer possibilidade de novo, qualquer possibilidade de acerto. Como se errássemos o mesmo erro, outra e outra vez – uma coisa triste!

Outro dia mesmo, estávamos no intervalo da gravação do “Sai de baixo” e assistimos ao programa sobre os 50 anos de televisão. Todos ali eram profissionais da área, há já algum tempo, e Daniel Filho tinha ido dirigir o programa inaugural e acabamos prestando uma homenagem a ele, nos nossos corações, porque ele já fez tanta coisa legal na televisão, mais da metade do que ali foi mostrado tinha o seu selo, de alguma forma. Trabalho e talento merecem ser homenageados, sempre. Eu penso assim. Mas acabei vendo o programa pelos olhos dele, brilhando ao reconhecer cada momento, cada ângulo de câmera, cada colega que partiu, ou que chegou. Era a memória de toda uma vida. Eu vi. Nos olhos dele.

Quero um dia ter meus olhos cheios de memória, com o cristalino partido em mil pedaços, cada um deles com uma história própria, refletindo mil outras histórias. Sei que isso me leva ao problema inicial da crônica – a advertência da leitora a respeito do excesso. Às vezes, sou mesmo chegado a um exagero, devo confessar. Por isso, agradeço o conselho, mas vou continuar com tudo, porque eu acho que um pedaço da memória individual de cada um de nós vai juntar-se a outras, para formar o bloco da memória nacional (e, do jeito que as coisas estão, quem puder ceder mais um pouco da sua cota habitual, a nação agradece). São Miguel há de me arranjar forças para carregar a bagagem toda, ladeira acima. Ele é meu chapa, além de xará.

E, uma vez resolvido a carregar comigo todo o sentimento, passo à tarefa mais simples de selecionar a matéria. É mais fácil. Prefiro cortar o excesso de peso nessas coisas. Não vou abrir mão de uma única lembrança, de um único gesto, de nenhum beijo – nem mesmo aquele que me amargou a boca. Vou levar comigo todos os meus sonhos, os que espoucaram nos céus e os outros que abortei na calada da noite. É a minha história, o meu traçado.

Escrevo no meio de uma tarde estranha, cinzenta e abafada. A Lagoa, estendida a meus pés, tenta respirar, asfixiada pelo nosso descaso. Pela nossa falta de memória e de respeito. Eu vou olhar para ela e é um espelho escuro, de uma cor triste, nessa tarde. Elba vai dar um show de forró, hoje à noite. Talvez eu vá, para dançar e celebrar o fato de ainda estar aqui, tocando o barco pra frente. Vasculho a minha bagagem e percebo que a minha vida mudou tanto, desde que eu era um jovem da Ilha do Governador, pensando em prestar concurso para o Banco do Brasil, que chega a ser inacreditável. Se eu jogar qualquer das minhas lembranças na lata do lixo, posso acabar perdendo o fio da meada de vez.

Minha memória é meu alumbramento. Meu aturdimento com a rapidez com que a vida é capaz de dar voltas. Ladeira acima, subindo numa maciez, e de repente lá vem o diabo do carrinho despencando na encosta e você fica com aquele grito entalado na goela. Eu não sei como é que alguém pode gostar de montanha-russa. Nunca vou ser capaz de entender.

Minha memória é generosa e manda antigos instantâneos para a minha caixa postal, todo o tempo. Agora mesmo, debruçado no parapeito, de olho na Lagoa, já me despedindo da vista, eu tive a lembrança de bem longe, luzes, cheiros, barracas cheias de artigos, a Feira da Providência, às margens dela. Como é que eu poderia saber, naquele tempo? Como é que eu saberia, naquele fim de tarde, olhando abismado para as representações de outros mundos, inatingíveis, então, (porque Miami não ficava na Barra, naquela época!) que as coisas iam tomar um rumo muito diferente daquele que eu imaginei, um dia?

Como é que eu poderia saber que a Lagoa, naquela tarde fagueira, já tinha começado a morrer?

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A guerra começou no domingo, mas antes disso, na sexta-feira, fui ao Centro, fazer o programa de minha amiga Leda Nagle, nosso velho e bom “Sem censura”, e, como termina às seis da tarde, a hora do Angelus, com todas aquelas orações voando pelos ares, eu resolvi subir a ladeira, em direção a Santa Teresa. Com vontade de parar o carro e admirar a noite caindo sobre a cidade, perceber a palheta, antes da mancha de nanquim esconder o céu – um pouco assustado por cortar a floresta, já na escuridão, mas feliz por escapar do engarrafamento por toda a parte, lá embaixo – eu ia vendo, nos vãos do casario de então – os carros imobilizados, contas avermelhadas no colar do crepúsculo, quase que voando por entre as árvores. Eu seguia contornando o desenho do corpo de São Sebastião, as flechas magoando a carne e o sangue espalhado num resto de céu, lá longe, prestes a ser engolido pela boca da noite.

E houve um momento, a noite já tinha caído e eu me perguntava, no sacolejo das curvas, se teria mesmo feito a escolha acertada, sempre subindo, sempre para o alto, mas houve um momento em que a mata afastou a cortina e o Cristo apareceu a meu lado – um pequeno esforço e eu poderia ter tocado seu ombro, assim me pareceu. Não pude, entretanto, ver seu rosto, estava meio de costas para mim, mas nunca antes estive tão próximo, nunca antes tão a meu lado, pensei – lembrando das inúmeras vezes em que estivemos prostrados a seus pés, em adoração, em silêncio respeitoso ou em surdo ressentimento. Tantas e tantas vezes eu supliquei e estendi meu olhar até sua figura, tantas e tantas vezes desejei que ele tivesse sido mais generoso e menos implacável em suas decisões.

Acabei perdendo o medo e parei um instante para olhar a vida iluminada dos milhões de habitantes da cidade, recebendo o ar frio do oceano, que sacudia as folhas nas árvores. Ali, encostado no gradil de beijos roubados, respiração ofegante e desejo queimando a pele, ali no meio da mata, olhei para o ombro do Senhor e imaginei tanta coisa — parado ali, o mesmo olhar sobre a beleza das cidades iluminadas, vistas do alto, o mesmo olhar do menino interiorano que veio passar uma semana conosco. Sentou-se no carro e, no meio da serra de Petrópolis, vendo o clarão do Rio, ao longe, exclamou:

– Olha que tanto de estrela!

(Esse mesmo menino, ao ver Cláudia Jimenez interpretar a dezena de personagens de ‘Como encher um biquíni selvagem’, sozinha no palco, falando pelos cotovelos, apertou meu braço, numa lição de dar dó e gritou: ‘Ela tá doida, sô! Corre que ela tá doida!’)

Foi engraçado eu me lembrar dele, naquele momento, olhando o mar de estrelas a meus pés, tendo o Cristo a meu lado – meio de costas, não lhe avistava sequer o perfil – como fria testemunha. Eu apertei o ferro da grade descascada e tive vontade de gritar para o mundo que não podia me ouvir:

– Olha que tanto de estrela!

Mas guardei silêncio e preferi ouvir a música do vento nas ramas e o assobio das nuvens errantes que voam baixo, enchendo tudo de fumaça azulada, como se um sortilégio pairasse sobre as vidas das gentes, os corações urbanos congelados no salto. E ia pensando, uma idéia que gemeu lá dentro.

(O que mais eu posso lhe dizer que já não tenha dito? O que mais me traz esta noite de surpresa?, eu fui me inquietando, caminhando para o automóvel, um vento estranho me empurrando pelas costas. Um vento jovem, brincalhão, que me deixou assustado com a força de seu sopro.

O que mais eu posso lhe dizer que já não tenha dito?

Que gente não pertence a gente? Isso eu já lhe disse. Há algum tempo)

Finalmente, voltei para o carro e, quando a respiração normalizou-se, quando o medo sumiu do coração, das estrelas inatingíveis, pulei para as estrelas de carambola, cortadas à faca, e daí, aproveitando a dança da estrada, fui lembrando da correria de Cosme e Damião, na Ilha, ano após ano, pés descalços, peito nu, uma trilha de chocolate manchando a pele – as sacolas nas mãos dos meninos, cheias de doces coloridos – retângulos de geléia de duas cores, amarela e vermelha, salpicados de açúcar, o cone cheio de massa branca, pé-de-moleque, paçoca, pipoca doce, abóbora cristalizada, um ou outro figo no saquinho mais abastado – assim corríamos nós, crianças dos setembros idos, sempre aquela luz por toda a parte e o mar encrespado no fim da tarde, quando espalhávamos o produto da colheita sobre a mesa da cozinha – doces e doces nas mãos dos filhos do Brasil.

Antes de iniciar a descida em direção à Barra, arrisquei um último olhar e recitei baixinho uns versos de Lamartine de que gosto muito: ‘e que minha voz possa ao Senhor se erguer, como fumaça adocicada, balanço de urna perfumada, nas mãos dos meninos a correr’.

E, quando dei por mim, já era várzea. Quando me lembrei de prestar atenção, já era lar.

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Tarde da noite, chegando em casa, dentro do condomínio, bem no alto, já quase no portão, vejo um senhor que avança pela rua, caminhando com dificuldade. Os cabelos brancos, camiseta clara, sua figura é iluminada pelos faróis, logo depois da curva, e eu me assusto, porque quase nunca vejo gente por essas bandas, a essa hora. O instinto me faz acelerar, mas tenho tempo suficiente para perceber que não há perigo naquela situação, de modo que freio e abro a janela. Ele me pergunta pela segurança, num fio de voz, e me conta que foi passar o domingo na floresta, seguir uma trilha, com um guia, mas acabou ficando para trás e perdeu-se na mata. Estava há horas vagando na escuridão, tentando alcançar as luzes, que via à distância e que acabaram por ser as luzes do Itanhangá. Os pés machucados, o olhar estranho (que eu entendi, ao me imaginar na escuridão, abrindo caminho com os braços, no meio da floresta), ele agradeceu muito e, quando a segurança chegou com o carro para conduzi-lo, despediu-se de mim juntando as mãos e inclinando a cabeça, com um sorriso discreto.

(Esqueci de perguntar pelas fadas. Elfos tropicais. Duendes. Sacis. Ando em busca de uma mitologia qualquer.)

Tenho visto a cidade do alto, por entre as ramas. Fujo dos intermináveis engarrafamentos pelo verde da floresta. Volta e meia, faço o caminho mais longo e desço pelo Horto, relembrando naquelas curvas, as curvas de há tempos, as novelas gravadas na Herbert Richers, os colegas que fizeram comigo este trajeto tantas e tantas vezes, as conversas interrompidas pela curva mais fechada. Vou em direção à Vista Chinesa e, quando é dia claro, daqueles abençoados, dou uma paradinha e deixo a mente se espreguiçar, olhando o cartão-postal. É tanta lembrança engraçada que vem chegando nas curvas da estrada do Horto!

(Uma vez, fui com um grupo de atores fazer um teste na Usina. A Globo estava cadastrando jovens atores de teatro e lá fui eu. A cena, um diálogo entre um casal, foi entregue e buscamos, entre as moças, uma companheira para apresentar a cena. Acabei fazendo a cena com uma jovem de longos cabelos compridos e olhar febril. Cássia Kiss. Aparentemente, fomos ambos reprovados. Mas sempre lembro desse dia e, acredito, ela deve se lembrar também.)

Tenho visto a cidade com o olhar dos micos, todos primos daqueles que venho alimentando nesses últimos tempos. Acostumaram-se rapidamente comigo, os interesseiros! Vêm em bando reclamar o seu quinhão e eu parto a banana em rodelas, que eles seguram como pizzas, sentados nos galhos mais baixos. Talvez eu não devesse alimentá-los, às vezes penso, talvez eu esteja causando algum desequilíbrio na frágil cadeia da Mata Atlântica, mas está tudo tão caótico que eu não tenho coragem de negar uma banana para aquelas criaturas!

Tenho visto a cidade e secretamente agradecido por tanta beleza. Cinco minutos de contemplação e a gente entende o narcisismo dela. É justo. Mais do que justo. E estranhamente essa beleza parece não mobilizar nossos governantes. Quem tem uma cidade dessas tem um tesouro nas mãos, eu penso.

(… dia desses, um sábado, a Estrada das Paineiras estava fechada e fui obrigado a descer pelo Sumaré. Eu vinha ouvindo música, janela aberta, aproveitando o começo de tarde e, de repente, dei de cara com dois carros queimados, carcaças no meio da estrada, e, mais à frente, um carro novo, todo aberto, com as janelas estilhaçadas. Imediatamente, uma tensão nasceu em algum lugar da minha omoplata e fez meu ombro endurecer. Um gosto amargo na boca. Medo. “Eu não deveria ter vindo por aqui”)

Eu vou pensando que quero turistas na Cidade Maravilhosa. Quero outra vez aqueles verões cheios, aquela efervescência na rua e nos rostos dos passantes! É inaceitável que aquelas carcaças queimadas repousem ali! Imagino um grupo de turistas vendo a cena. É inaceitável jogarem toneladas de cocô no mar desta cidade! É inaceitável que não se entenda turismo de maneira profissional, numa cidade que só tem a lucrar com isso! Podemos crescer tanto, todos nós! E precisamos entender isso, de maneira consciente. Até os ladrões precisam proteger a jóia que lhes coube. E por ladrões entendam pobres e ricos, por favor.

(Uma vez, no Egito, na agitação do embarque, esqueci uma mala, pousada nas pedras do cais de Luxor, e só dei por falta dela na cabine do barco. Fiquei arrasado. Olhei pela janela, mas havia centenas de turistas embarcando, uma confusão total, cada qual querendo encontrar suas acomodações. Caminhei até a proa, chateado com a perda, para ver a largada e lá estava minha mala, solitária, guardada por um menino de camisola alaranjada)

Tenho visto a cidade do alto, com freqüência. Tenho tido a oportunidade de gostar de ser carioca, de recuperar aquele orgulho besta, mas merecido. Tenho pensado em tantas coisas, nesses meus passeios pelo verde, imaginado tanta coisa!

(Acho que nunca vou ser capaz de entender gente que não agradece a instâncias superiores, sejam elas quais forem! Acho que nunca vou ser capaz de entender essa nossa estranha civilização. Mas enfim! A medicina genética já está se encarregando de mudar a história deste planeta e vai ser duro ter que aprender tudo de novo, se chegarmos até lá)

As coisas que a gente pensa, vendo a cidade do alto, por entre as ramas!

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Profeta Gentileza

Eu vinha dirigindo pela enseada de Botafogo, o dia tinha nascido sobre o desfile da Beija-Flor e a manhã soprou uma brisa fresca, antes de o Sol inundar tudo. Mas lá vinha eu, cansado, de janela aberta, sorvendo o ar da minha cidade, feliz da vida, quando apertei a tecla errada no aparelho de som e, ao invés de entrar o samba da Grande Rio, Ella Fitzgerald surgiu cantando Cole Porter, com aquela doçura e categoria de sempre. Imediatamente, o mundo mudou lá fora, minha cabeça deu uma guinada violenta e o olhar foi redirecionado. Ela mal começou a cantar e o olhar foi redirecionado. Música faz isso com a gente, às vezes.

Música nos atira para o ar de repente, sem aviso. É isso. Rouba o chão e estende um tapete de nuvens no lugar. Ella Fitzgerald fez isso, esta manhã, quando eu dirigia pela enseada de Botafogo, achando linda a minha cidade, imaginando o que será dela num futuro que eu não verei. Um futuro distante, quando arqueólogos importantes recuperarão parte dos grandes blocos de concreto com as inscrições do profeta Gentileza, aquelas mesmas que me acostumei a ler e reler nas idas e vindas da Ilha. A beleza gráfica das letras e a composição de suas profecias, de suas palavras de amor. E simplesmente apagaram tudo. Não tiveram sequer o bom senso de perguntar a nós, moradores da cidade, para quem as palavras eram dirigidas. Junto com as palavras de Gentileza, afogados na tinta do poder, vão-se pedaços das minhas viagens e dos meus sonhos, sacolejando nos ônibus, o olhar perdido na feia paisagem da Avenida Brasil, os olhos adolescentes projetando seus sonhos no comprido muro do cemitério do Caju. Tudo apagado. Por um tempo, talvez. Quem sabe, por esses misteriosos descaminhos, aquelas não sejam tábuas de uma grande religião do futuro, preservadas sob a tinta que um dia quis destruí-las. Sei lá, pode ser que aconteça. E pode ser também que tudo desapareça num tapete de nuvens. Mas prefiro acreditar nos mistérios que a vida volta e meia oferece.

Enfim, lembrei da obra de Gentileza e do belo enredo de Joãosinho Trinta e fui colocar o samba da escola para sacudir a manhã, quando deu-se a melódia. Ella começou a cantar e meu corpo cansado parou, enquanto a alma, cheia das alegrias da noite de batuque, virou de cabeça para baixo e, de repente, eu voando nos ares da harmonia, imaginei que nossas existências são desfiles, com grandes carros alegóricos, um para cada evento importante do nosso enredo. E o dia foi passando com mais vagar pela janela, até a brisa segurou a respiração para que alguns dos carros mais delicados passassem pela avenida à beira mar. Congelou-se a imagem daquele momento, a fotografia para sempre guardada nos anais do tempo.

E, na cabeça, eu ia repassando algumas das mensagens que recebi por causa da tal revisita a um dia escolhido, que eu propus na última crônica. Como de hábito, meus leitores se inspiraram e eu tenho recebido poesia de toda parte, pedaços de lembrança, retalhos de vidas, que de alguma forma tento costurar para dar sentido à minha. O nosso patchwork particular. As lembranças de vocês iam se desenrolando na minha cabeça, um grande desfile, carros passando em câmera lenta, Ella cantando ao fundo e o Rio de Janeiro abrindo as cortinas do dia e deixando o sol entrar. Foi assim, esta manhã.

Dormi quase o dia inteiro, um sono picado, besta, de quem parece que tem medo de sonhar. Acordando toda hora, achando que ainda não tinha descansado o bastante, e volta e meia lembrando de um relato, de uma lembrança de alguém, que de longe me ajuda, agora, a escrever esta crônica. Não consegui dormir direito, no final das contas, enquanto o dia corria célere lá fora, ao encontro das luzes do segundo dia. Fiquei zanzando pela casa vazia e acabei sentado no computador, recebendo novas mensagens, mais corações rebentando em flor e gente que fala bonito e pensa bonito e eu vou lendo como quem se ilustra. Acabei marcando todas as mensagens que vocês me enviaram e quero ver se consigo realmente fazer uma crônica que seja uma colcha dos retalhos de todos os nossos corações urbanos (ou, pelo menos, os desses encontros às quintas-feiras). Não sei ainda de que jeito, mas uma hora, assim como quem não quer nada, eu me inspiro.

E, já que todos confessaram tão despudoramente suas preferências, sinto-me na obrigação de compartilhar igualmente meus segredos, de modo que, muito aqui entre nós, se me dado fosse este direito, o dia que revisitaria seria aquele mais comum, um dia de semana qualquer. Nada especial. Apenas um brilho verde nos olhos, um meio sorriso no canto da boca e uma promessa de amor no ar. Esse dia seria o revisitado.

Se me dado fosse esse direito.

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